Thursday, May 16, 2013


Guerrilheiro das FP-25 mata inspector da PJ

O inspector António Coutinho tem um merecido lugar de honra na história da Polícia Judiciária: chefiou com êxito a luta contra as Forças Populares 25 de Abril (FP-25), a organização terrorista liderada por Otelo Saraiva de Carvalho.
No Verão de 1987, após diversas operações policiais, uma centena de implicados nas FP--25 aguardavam na prisão a conclusão dos processos judiciais. Mas pelo menos uma dezena de operacionais estavam a monte – entre eles, Alberto Teixeira de Carvalho e António Manuel Baptista Dias.
As FP-25, embora desmembradas, continuaram a levar a cabo alguns assaltos a bancos e ainda lhes restava alguma capacidade para atentados. As brigadas da Direcção Central de Combate ao Banditismo (DCCB), o departamento da PJ encarregado de lhes dar caça, não paravam desde Junho de 1984 – quando foi lançada a “Operação Orion”, a primeira grande acção contra a organização terrorista.
No Verão de 1987, ao fim de três anos intensos, a sede da DCCB, na Avenida José Malhoa, ainda fervilhava de actividade: os investigadores trabalhavam pelos fins-de-semana e sem horários. Equipas da PJ mantinham sob discreta vigilância as visitas aos reclusos das Forças Populares 25 de Abril.
As atenções da polícia, a partir de certa altura, voltam-se para uma mulher, Angélica Torquito, que visitava regularmente o marido, Jorge Manuel Alves da Silva, no Estabelecimento Prisional de Lisboa: ele pertencia à organização; ela servia de correio entre reclusos e operacionais na clandestinidade.
Num escaldante domingo de Agosto, dia 16, Angélica, como habitualmente fazia, foi visitar o marido. Estava grávida da filha Sara, que havia de nascer na cadeia, e deixara em casa o filho, Paulo, então com 10 anos. Mal sabia que aquele dia não seria como os outros. Inspectores da DCCB aguardavam-na, sem ela os ver, à saída da penitenciária, na Rua Marquês da Fronteira, ao cimo do Parque Eduardo VII.
A brigada da DCCB estava dividida por dois carros – e um inspector seguia numa moto todo-o-terreno. Angélica, sem saber, levou os polícias à Praça do Areeiro, onde dois homens, pelas cinco da tarde, a esperavam com impaciência num BMW. Eles eram Alberto Teixeira de Carvalho e António Baptista Dias – ambos operacionais das Forças Populares 25 de Abril e considerados como perigosos.
Alberto era procurado há coisa de dez anos, ainda do tempo das Brigadas Revolucionárias (BR) – uma organização de acção directa fundada por Carlos Antunes e Isabel do Carmo, em 1970, com o objectivo de derrubar a ditadura. Mas as BR voltaram a mergulhar na clandestinidade em finais de 1975: levaram então a cabo vários assaltos a bancos – até que, em 1979, sofreu rude golpe da Polícia Judiciária. Alberto Teixeira de Carvalho escapou à vaga de prisões e, como muitos operacionais das Brigadas Revolucionárias, foi fundador das FP-25.
O outro, António Manuel Baptista Dias, professor do ensino básico, era perseguido há pouco menos de dois anos: já tinha sido preso – mas fez parte do grupo de dez reclusos das FP-25 evadidos, em Setembro de 1985, do estabelecimento Prisional de Lisboa.
Angélica Torquito olha à volta, nervosa, e reconhece o carro que a aguarda. Teixeira de Carvalho está ao volante, António Dias ocupa o outro banco da frente. Ela entra no carro – que arranca pela Avenida Almirante Gago Coutinho.
Os polícias sabem que os dois suspeitos não hesitariam em responder a tiro – como, de resto, acabou por acontecer. O BMW, já na rotunda do aeroporto, toma a Avenida Marechal Gomes da Costa. Alberto Teixeira de Carvalho e António Baptista Dias, desconfiados como animais acossados, pressentem que estão a ser seguidos: cheira-lhes a Polícia e aceleram. Os perseguidores fazem fogo. Angélica Torquito deita-se no banco de trás para se proteger dos tiros. O BMW dos fugitivos, com pneus furados e vidros partidos, continua avenida abaixo, em direcção ao rio.
Numa antiga rotunda (hoje, o cruzamento para o Parque das Nações) um carro da PJ ultrapassa-o e barra-lhe o caminho. Estala então intenso tiroteio. O inspector Álvaro Militão, de 32 anos, é atingido por uma bala de calibre 7,65 mm que lhe dilacera um pulmão: morre ao fim de escassos minutos de agonia. Outro polícia, António da Silva Luís, ficou ferido. Teixeira de Carvalho e Baptista Dias renderam-se. Angélica, que se esgueirara durante a troca de tiros, ferida por estilhaços de vidros partidos,conseguiu chegar a pé aos bombeiros do Beato – que a transportam ao Hospital de S.José, onde é presa horas depois.
JULGAMENTO PENAS
As FP-25 de Abril fizeram-se anunciar na madrugada de 20 de Abril de 1980 através do rebentamento de petardos em várias cidades do País. Seguiram-se sete anos de violência, assaltos a bancos de que se perde a conta, 18 homicídios a tiro e à bomba e outros tantos tentados. A morte de Álvaro Militão foi o único crime de sangue das FP que terminou com a condenação do autor, Teixeira de Carvalho, num julgamento presidido pelo juiz Ricardo Cardoso.
O arguido, já condenado à revelia por associação terrorista, foi punido em cúmulo jurídico a 20 anos de prisão. Baptista Dias, que também já tinha uma condenação anterior, foi punido por homicídios tentados na pena única de 16 anos. Angélica foi absolvida.
AS TEIAS DA LEI
- O primeiro julgamento das FP começou em Setembro de 1985: 73 réus presentes, entre eles Otelo, e 14 revéis responderam por associação terrorista.
- O julgamento, presidido por Adelino Salvado, terminou em Maio de 1987. Foram condenados 48 réus (Otelo a 15 anos) e absolvidos 16.
- No segundo processo, responderam mais 30 arguidos por associação terrorista.
- Pelos homicídios e roubos foram julgados 64 arguidos (Otelo incluído), em 1999. Não houve condenações, por falta de provas ou porque os crimes prescreveram.

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