Sunday, May 12, 2013

CAMARATE, NOUVELLE QUELQUE CHOSE AVEC DE PLUS



Considero, portanto, demonstrado que o Estado português, afinal, nunca esteve interessado em que houvesse um julgarnento sobre o Caso Camarate, pois não quis investigar as reais implicacões políticas no negócio do tráfico de armas em Portugal em 1980 nem o meu envolvimento no caso desde que o meu nome foi tornado público em 1986. Se tivesse havido um julgamento, iriam assim ser investigados os negócios de armas em Portugal com o Irão e Iraque numa altura em que havia um embargo internacional ditado pelo caso dos reféns norte-americanos em Teerão, em 1980. Ainda de acordo com as necessidades da investigação, o ex-primeiro-ministro, antigo lider do PSD e atual presidente da República de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, teria de ser chamado a tribunal para esclarecer por que motivo é que, em Novembro de 1980, então na qualidade de ministro das Finanças, não investigou um fundo financeiro militar destinado a esse alegado negócio, seguindo assim as ordens do primeiro-ministro Sá Carneiro.”

Ao terminar o telegrama que mandou para Kissinger, Frank Carlucci acrescentou em jeito de comentário que também já falara com Mário Soares sobre as relações com Sá Carneiro. E o lider do PS confirmara-lhe, recentemente, que até poderia trabalhar confortavelmente com o PPD: ‘Mas só se fosse dirigido por Magalhães Mota, escreveu Carlucci a Kissinger. Esse plano de decapitação nunca se concretizou, mas a partir do dia 4 de Dezembro de 1980, como consequência da morte de Sá Carneiro em Camarate, Mário Soares ficou com o caminho livre para, linalmente, poder formar a coligação que não conseguira fazer em 1976. E isso aconteceu, quando, a 4 de Iunho de 1983, formou o Bloco Central com o então lider dos sociais-democratas, Francisco Mota Pinto.” Ou seja, Mário Soares que, em 1972, no livro Portugal Amordaçado, citara intervenções de Sá Carneiro na Assembleia Nacional e fechara uma cronologia com a referência as denúncias de Sá Carneiro contra o regime de Marcello Caetano, achava que o mesmo Sá Carneiro, em democracia, representava um partido sem pergaminhos de resistência política e Iigado ao Estado Novo.

Era também referido que todas estas vendas de armas eram feitas com a conivência da autoridade da época, nomeadamente militares como o General Costa Gomes, o General Rosa Coutinho (venda de armas a Angola) e o próprio Major Otelo Saraiva de Carvalho (venda de armas a Moçambique). Vi várias vezes o nome de Rosa Coutinho nestes documentos, que nas vendas de armas para Angola utilizava como intermediário o general reformado angolano, José Pedro Castro, bastante ligado ao MPLA, que hoje dispõe de uma fortuna avaliada em mais de 500 milhoes de USD, e que dividia o seu tempo entre Angola, Portugal e Paris. O seu filho, Bruno Castro, é director adjunto do Banco BIC em Angola. No referido Dossier estavam também referidos outros militares envolvidos neste negócio de armas, nomeadamente o capitão Dinis de Almeida, o coronel Corvacho, o Varela Gomes e o Carlos Fabião.”

Também durante este trabalho fiquei a saber como é que os documentos do Fundo de Defesa Militar de Ultramar (FDMU) teriam ido parar às mãos de Sá Carneiro. O então secretário de Estado da Comunicação Social, o advogado independente Carlos Sousa Brito, era amigo do general Soares Carneiro e foi ele quem, anos antes, o apresentara a Sá Carneiro. Foi aliás Soares Carneiro quem sugeriu, após as eleições de Dezembro de 1979, que se colocasse Adelino Amaro da Costa na pasta da Defesa. E quando o general foi escolhido para ser candidato da AD de Sá Carneiro contra Ramalho Eanes, os documentos chegaram a Sousa Brito que os foi levar ao primeiro ministro: ‘Disse-me então Sá Carneiro que quem deveria receber esses documenetos era o ministro das Finanças, Cavaco Silva. E eu próprio me encarreguei da tarefa de as ir entregar’, contou-me o antigo secretário de Estado da Comunicação Social. E Sousa Brito foi ao Ministério das Finanças com os documentos, onde os entregou a Manuela Ferreira Leite, então chefe de gabinete de Cavaco Silva. Mais tarde, quando o secretário de Estado da Comunicação Social procurou saber qual o destino que tinha sido dado aos mesmos, foi informado que Cavaco Silva, por sua vez, passara o caso para o subsecretário de Estado do Orçamento, Rui Carp: ‘Realmente, recebi a missão de perguntar aos militares sobre esses dinheiros do Fundo’, confirmou-me o subsecretário da AD. Rui Carp afirma que chegou a fazer diligências junto dos militares, sem que daí tivesse resultado algo de substancial. E ainda acrescentou que chegou a trocar impressões com Adelino Amaro da Costa sobre a investigação, pois era habitual cruzar-se com ele à hora do almoço: ‘O Ministério das Finanças e o da Defesa ficavam, cada um, nos dois torreões do Terreiro do Paço. Por isso, era comum almoçarmos na Central da Baixa, na Rua do Ouro. Lembro-me de termos falado sobre a necessidade dessa investigagção’, mas pouco mais me adiantou Rui Carp. Contudo, um pequeno detalhe sobressaiu depois deste circuito. O então chefe de Gabinete de Rui Carp era Ramiro Ladeiro Monteiro, que foi depois diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e, em Fevereiro de 1976, seria nomeado pelo então primeiro-ministro Cavaco Silva para ser o primeiro diretor do Serviço de Informações e Segurança (SIS), cargo que ocupou até 1994. (...) Mas no dia da sua morte fiquei a saber um outro facto sobre a sua vida que, até essa altura, ignorava por completo: Ramiro Ladeiro Monteiro era um ‘velho’ amigo de António Esteves, o pai de José Esteves.”

O que ele me disse foi que o cónego Melo viera três semanas antes de Camarate, avisar o general de que iam matar Amaro da Costa. O Paradela contou-me que defendia a teoria dos cinco crimes seguidos, que se foram sucedendo para encobrir o anterior. O crime de origem é o assalto da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, em Guimarães, poucos dias antes do 25 de Novembre de 1975 e que, à época, o tesouro furtado valeria um milhão de contos. O padre Max soubera e ia denunciar mataram-no, em Abril de 1976. Ferreira Torres soubera de ambos e ia denunciar, mataram-no, em Agosto de 1979. Amaro da Costa ia denunciar isto tudo, e mataram-no também, em 1980. O engenheiro José Moreira, que era o responsável pelo aluguer do avião a am empresário cle Braga, Eurico Taxa, soubera coisas sobre Camarate, e mataram-no também, em Janeiro de 1983”.

Antes de entrar para a sala, o juiz, que Esteves descreve como sendo uma pessoa já com uma certa idade, veio ter consigo e perguntou se era a pessoa do caso da posse de armas. José Esteves confirmou e o juiz fez uma nova pergunta: ‘Pois é. Você ia a Coimbra para entregar as armas, não é? Tinha vindo de África e tinha armas, por isso ia a Coimbra. Não quisera fazer em Lisboa porque as coisas estavam mais complicadas, não foi?’ E José Esteves compreendeu. Sim, as armas eram suas. Sim, ia entregé-las, voluntariamente, em Coimbra. Sim, a situação estava tensa em Lisboa, por isso optara por ir a Coimbra. Sim, fora detido antes de ter tido oportunidade de as entregar. De fora do processo ficou o facto de ter apontado uma pistola a dois guardas da GNR e ainda de estar na posse de alguns quilos de explosivo. O juiz disse, por fim, que era mais útil à família fora da prisão do que dentro e, assim, no Verão de 1976, José Esteves foi posto em liberdade. Não iria poder continuar a trabalhar para o CDS, mas manteve-se activo naquilo que sabia fazer melhor, ou seja, na desestabilização social. A 11 de Outubro, o Diário de Lisboa publicou uma manchete de grande impacte: ‘Soares e Otelo visados pela “CODECO”’, lia-se nas letras gordas por debaixo de um antetitulo que anunciava ‘Um plano de liquidações físicas’. Hoje, José Esteves ri-se e afirma que essa era uma lista que chegou à PJ e esta, por sua vez, passou-a para a imprensa, ‘pois era assim que a CIA queria para dar a entender que Mário Soares também corria perigo’”.

“Deste modo, Sá Carneiro soube nessa mesma noite, apenas dois dias após ter ficado em segundo lugar nas eleições gerais, que o PS iria apoiar Ramalho Eanes para Presidente da República. Assim, para poder marcar pontos e surgir numa posição política de destaque ao ser o primeiro lider partidário a apresentar o apoio ao candidato com mais probabilidades de sair vencedor nas eleições de Junho, deu ordens para que se anunciasse de imediato à comunicação social, através da Agência de Noticias ANOP, que o PPD já escolhera quem iria ser o seu candldato a Belém: Sá Carneiro iria apoiar Ramalho Eanes para presidente da República. O anúncio de Sá Carneiro foi feito sem qualquer consulta prévia a Ramalho Eanes.”

E no telegrama enviado para Henry Kissinger, Carlucci explicou que do ponto de vista de Tomás Rosa, ‘o principal obstáculo’ à formação da coligação PS/PPD ‘é Sá Carneiro’. Acrescentou que Tomás Rosa, contudo, acreditava que Sá Carneiro ‘iria ser afastado da liderança do PPD’, tendo Carlucci registado ainda que ‘Rosa disse que ele e outros “operacionais” estão agora a trabalhar nesse sentido e esperam ver Magalhães Mota assumir o poder no PPD e fazer uma coligacão com os socialistas’. Segundo explicou Carlucci não era só Tomás Rosa que pensava assim. Havia outros militares com as mesmas ideias. E todos achavam que Sá Carneiro deveria ser afastado da liderança do PPD porque era ‘demasiado autoritário, desagregador e era difícil trabalhar com ele’

Quatro dias após a morte do padre Max, correu a notícia de que Sá Carneiro morrera na sequência de um atentado nos Açores. Tratou-se, obviamente, de um boato que ficou depois registado na imprensa da época. (...) César Camacho contou ainda que, assim que Sá Carneiro chegou a Lisboa, a primeira pergunta que fez aos seus assessores estava relacionada com o boato do atentado. O líder do PPD pretendia saber que atitude tomara o Ministério da Comunicação Social, chefiado então pelo socialista Almeida Santos, e acrescentou que o boato lhe parecia um acto que trazia um ‘grave risco de destabilização’”

Nessa noite, na Rua da Emenda, onde tuncionava a sede do PS, José Esteves lançou uma granada chinesa contra as instalações dos socialistas enquanto decorria o debate. Era uma ação combinada com Joaquim Centeio, segurança do PS. Defende que ‘foi Mário Soares quem sugeriu que fosse atacada a sede do partido para que as socialistas pudessem depois dizer que também estavam a ser vítimas de atentados terroristas.’”

José Inácio e Norberto Silva, operacionais do ELP morreram na violenta explosão que teve lugar em Monsanto, quando preparavam uma carga de plástico destinada a destruir as antenas de emissão da televisão. José Esteves conhecia-os, pois travava amizades com outros bombistas. Conheceu gente do Norte como Ângelo do Trancoso e Ramiro Moreira, este último segurança do PPD: ‘Freitas do Amaral e Sá Carneiro sabiam o que se passava, embora não concordassem. Mas éramos úteis para os acontecimentos da época. E Frank Carlucci estava a par de tudo. Nessa altura, recebi 200 contos de um funcionário da Embaixada dos EUA. Era muito dinheiro. Dava, por exemplo, para comprar um apartamento nos arredores de Lisboa’, conta José Esteves.”

No meio desta crise política, entre redes bombistas, ataques a sedes de partidos, violência política,boatos de golpes de Estado, suspeitas de ligações entre grupos terroristas de direita e a CIA, Mário Soares teve um encontro privado com Frank Carlucci na sua casa de Sintra, em Nafarros, a cerca de 30 quilómetros de Lisboa. Manuel Sá Machado conduziu o embaixador no seu carro privado, visto que o secretário geral do PS estava a recuperar de uma gripe, mas também queria garantir que estariam em segurança e longe dos olhares indiscretos que havia em Lisboa (...) Soares contou ao embaixador que Vasco Gonçalves não estaria mais tempo no poder, faltando apenas uma decisão mais energética do presidente Costa Gomes e dever-se-ia apoiar o grupo de Melo Antunes (...) O secretário-geral dos socialistas tinha algumas reservas sobre o então lider, Emídio Guerreiro, mas confiava em Magalhães Mota, Rui Machete, Pinto Balsermão e até no antigo lider, o ausente Sá Carneiro. E acrescentou que era do interesse do PS ter um PPD ‘com vigor’.”

Mas, o PS não podia aliar-se com o PCP. Isso sabia-se desde o dia 3 de Março, quando o vespertino A Capital revelou o artigo da publicação alemã Extra. Uma união entre Mário Soares

e os comunistas iria colocar em perigo o apoio financeiro da Alemanha aos socialistas portugueses. E os americanos também não iriam gostar dessa solução. O único espaço de diálogo para Mário Soares seria à sua direita, entre Sá Carneiro e Freitas do Amaral.”

Entretanto os contactos directos entre Wischnewski e Bruno Friedrich encerravam um objectivo concreto que condicionaria para sempre o futuro do jogo democrático em Portugal: os alemães estavam empenhados em ‘impedir que os socialistas portugueses se unam aos comunistas’. Para garantir isso, continuava o artigo, ‘este objectivo deverá ser conseguido através de um pesado apoio financeiro da República Federal e dos Estados Unidos, destinado sobretudo à ala direita do partido de Mário Soares’. E era depois referido um nome no seio do PS como sendo uma das ‘pessoas de confiança do lado partuguês’ - o então secretário de Estado das Finanças, Vitor Constâncio, actual vice-presidente do Banco Central Europeu

Nessa mesma altura, Mário Soares encontrou-se com Henry Kissinger, que lhe apresentou a dupla que estava prevista partir para a embaixada de Lisboa - Carlucci e Okun. Por coincidência, os chefes de gabinete de Mário Soares eram dois homens que também tinham estado no Brasil durante o tempo em que Carlucci e Okun trabalharam no Rio de Janeiro. E todos se conheciam e partilhavam laços de amizade. Esses contactos, forjados no Brasil, iriam depois ser muito úteis para a consolidação de uma das mais duradouras amizades políticas entre os dois paises atlânticos, e que é a amizade entre Frank Carlucci e Mario Soares. Pouco depois da visita de Costa Gomes e de Mario Soares a Washington, a 24 de Outubro, o Diário de Lisboa, citando a revista francesa Le Nouvel Observateur, fez uma manchete de grande impacte: Duzentos agentes da CIA em Portugal.”

Tenho visto que Vossa Excelência é habilissima em conspirações, intrigas e golpes de Estado. Tenho-o visto de longe e não desejaria sabê-lo de perto. Já me basta ter lido o que Vossa Exce-

lência fez no Chile, a mortandade que por lá foi e vai, verificar todos os dias que governos promove e apoia Vossa Excelência imagine se eu havia de gostar que mandasse para aqui os seus emissários e instalasse no meio da nossa roda o seu caldeirão de truques e bruxedos! (...) Vossa Excelência tem portanto amigos dentro da praça. Já se encontraram todos, pois não é verdade? Ora à mesa secreta das decisões, ora nas ações da rua, nas calúnias, nas intrigas, na bela conspiração, na compra e venda dos traidores. (...) Emprazo a Vossa Excelência a que nos deixe em paz. Temos aqui muito que fazer, muito que trabalhar, muito que sonhar. Mas não vamos dormir, isso não. Se Vossa Excelência vier, terá de matar-nos com os olhos abertos.”

 

José Saramago in Carta Aberta à CIA, publicada no Diário de Lisboa de 25 de julho de 1974

Finalmente, apesar de Nixon ter dito a Marcello Caetano (...) que os EUA não iriam dar os mísseis Red Eye que o governo português precisava para combater na Guiné, o embaixador de Portugal nos EUA, João Hall Themido, garantiu (...) que ‘o governo norte-americano foi intransigente na sua negativa. Mas Kissinger concebeu uma solução à altura da sua imagem: para ultrapassar o Congresso seria Israel a fornecer os mísseis’. Segundo o embaixador de Portugal em Washington, a ideia foi-lhe apresentada no Departamento de Estado: ‘Compreendi que Israel entregasse a Portugal mísseis de fabrico soviético capturados no conflito do Médio Oriente. Para esse efeito, deveria avistar-me com o embaixador de Israel, que estaria ao corrente e disposto a auxiliar’ acrescentou Hall Themido. Quando falou com o embaixador israelita Simcha Dinitz, o diplomata português ficou a saber que, afinal, Israel não dispunha de mísseis soviéticos e os de origem norte-americana só podiam ser fornecidos com autorização de Washington.”

No inicio de 1961, Frank Carlucci estava já activo como diplomata. Ocupava há um ano o cargo de segundo-secretário da Embaixada dos EUA em Léopoldville, no Congo Belga, país que fazia fronteira com Angola. O Congo Belga tornara-se independente no ano anterior e foi durante essa missão diplomática que o seu nome ficou associado ao assassinio do primeiro-ministro congolês Patrice Lumumba. (...) Segundo posteriores investigações feitas pelo Congresso dos EUA, a CIA teria recebido um pedido do presidente Eisenhower para assassinar Lumumba devido às suas inclinações pró-soviéticas."

Sá Carneiro deu ordens para que a Inspeção-Geral de Finanças investigasse os dinheiros dos militares, o que se cruzava com o tráfico de armas para o Irão, caso que estava nas mãos de Adelino Amaro da Costa. No entanto, estes dois ministros não estavarn sozinhos nas investigações. Também o ministro responsável pela pasta das Finanças, por inerência das suas funções, estava incumbido de investigar os dinheiros dos militares. E esse ministro era então Anibal Cavaco Silva, actual presidente da República e primeiro-ministro entre 1985 e 1995. Cavaco Silva foi o último ministro a ter estado reunido, na manhã de 4 de Dezembro de 1980, com Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa. E, para além dos governantes, estiveram também presentes as mais altas patentes militares. O objectivo da reunião foi, precisamente, a discussão do orçamento das Forças Armadas. Cavaco Silva, contudo, nunca tornou público o que soube sobre os dinheiros secretos dos militares.”

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