Os bastidores da Mozart
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Quando Agostinho Branquinho ainda era deputado do PSD e - no papel de membro da comissão parlamentar de ética-perguntou em direto, para o país ouvir, o que era a Ongoing ao diretor do "Diário Económico", a propósito do alegado envolvimento do grupo dono daquele jornal numsuposto plano do governo de José Sócrates para controlar a comunicação social (o caso PT/TVI), o momento ficou gravado para memória futura. Oito meses depois, a pergunta viria a ser repassada em vídeos na Internet, assim que Branquinho deixou a vida no Parlamento para se tornar administrador da Ongoing Brasil. É provável que aqueles segundos de televisão voltem outra vez a circular. Pelo que o Expresso confirmou, muito antes de ter feito a pergunta em público, Branquinho já tinha tido inúmeras oportunidades de a fazer em privado à meia dúzia de irmãos maçons da Ongoing que com ele faziam parte há vários anos da Respeitável LojaMozart nº 49-incluindo o presidente do grupo, Nuno Vasconcellos.
O caso PT/TVI morreu, Agostinho Branquinho emigrou e umoutro escândalo subiu entretanto à ribalta, desde que no verão do ano passado o Expresso revelou várias irregularidades nos serviços secretos, protagonizadas pelo ex-diretor do SIED (Serviço de Informações Estratégicas de Defesa), com uma contaminação entre os meios de inteligência do Estado e o grupo Ongoing, para onde o espião Jorge Silva Carvalho, também maçom da Mozart há vários anos, acabaria por transitar. Mas a novidade não é essa. Se até agora a maçonaria tinha sido mencionada várias vezes como um elo de ligação entre elementos das secretas e a Ongoing, esta semana o assunto ganhou uma importância acrescida. De repente, o elo transformou-se num triângulo e o lado até ao momento desconhecido da Mozart foi exposto: o seu braço político.
A exposição surgiu da pior forma.
Num relatório preliminar e confidencial sobre as averiguações parlamentares ao caso secretas/Ongoing, para ser discutido internamente na comissão de assuntos constitucionais, uma das vice-presidentes da bancada do PSD, Teresa Leal Coelho, referiu-se a "conluios de poder" e a "suspeitas do envolvimento" de Jorge Silva Carvalho "com grupos de pressão pretensamente instalados na sociedade portuguesa, nomeadamente a ramos da maçonaria". O jornal "Público" noticiava na terça-feira que estas alusões teriam sido retiradas numa versão posterior, num gesto de censura interna do PSD, o que veio a ser formalmente desmentido pelo grupo parlamentar da maioria (ver pág. 3).
Era tarde de mais para desfazer o mal-estar geral e o Expresso revelou na sua edição online o que ainda não se sabia: que Luís Montenegro, líder da bancada social-democrata, e um dos seus vices, o deputado do Porto Miguel Santos, são membros da loja nº 49 (Miguel Santos, que, tal como todos os outros nomes mencionados nestas páginas, foi contactado pelo Expresso, optou por não querer fazer comentários).
Embora não seja um membro assíduo, de acordo com fontes da maçonaria, Montenegro faz parte da Mozart desde 2008 (ver pág. 6), muito antes de apoiar Pedro Passos Coelho na candidatura a presidente do PSD e, na sequência da vitória eleitoral do partido em 2011, ascender a líder de bancada.
Ao todo, nos menos de 40 membros da loja, há nove figuras do PSD. A maioria são personagens de segunda linha, mas um dos nomes incluídos no lote é Vasco Rato, um politólogo que foi membro da comissão política nacional do partido e que, além de ser amigo de longa data de Pedro Passos Coelho, coordenou a partir do final de 2009 a Plataforma Construir Ideias, ajudando o atual primeiro-ministro a pensar o futuro do país e a ter uma base sólida para conquistar a presidência do PSD. Ummês depois, e fazendo já parte da Mozart há algum tempo, Vasco Rato foi trabalhar para a Ongoing, onde hoje é colega de administração de Agostinho Branquinho no Brasil.
A Plataforma Construir Ideias teve ainda como colaborador um outro membro daMozart, o diretor do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança, Paulo Gorjão. E também - ironicamente - a agora deputada que fez questão de pôr no papel as ligações menos claras das secretas com a maçonaria, Teresa Leal Coelho.
A linha cronológica das adesões àMozart e a forma como ela se cruza com as entradas na Ongoing sugere até que ponto a influência dos encontros de aventais tem sido exercida. Jorge Silva Carvalho entrou para a loja pelo menos em 2007, foi eleito como seu venerável (líder) em 2008 e mudou-se dos serviços secretos para a Ongoing em dezembro de 2010, depois de anos de convivência maçónica com Nuno Vasconcellos.
O mesmo se pode dizer de João Paulo Alfaro, um espião do SIS que já era membro da loja em 2008 e que se transferiu para aquele grupo privado meses antes do ex-diretor do SIED.
Outro aspeto revelador da importância do eixo secretas/Ongoing na Mozart é o seu domínio desde o início na hierarquia do grupo de maçons, apesar de os elementos do SIED, do SIS e da Ongoing estaremem minoria (sete emquase 40, incluindo no lote de restantes membros três figuras do PS). Além de Silva Carvalho, também já foram veneráveis Nuno Vasconcellos e Francisco Rodrigues, um coronel que dirige o departamento de segurança comum ao SIS e ao SIED. O que significa que em seis anos, desde que foi fundada em 2006 por Paulo Noguês e António Neto da Silva, a loja foi dirigida durante metade do tempo pelo eixo secretas/Ongoing. Fontes contactadas pelo Expresso reconhecem que houve "alguma hegemonia" de uma "certa tendência", mas que isso começou a mudar no último verão, quando o escândalo das secretas rebentou e o nome Mozart passou a ser citado não pelas melhores razões.
Mas isso foi já depois de Nuno Manalvo, antigo chefe de gabinete de Isaltino Morais e ex-assessor político do PSD, ter convocado 40 figuras paraumjantar-debate a 4 de julho (que não chegaria a realizar-se)-"apenas para membros da nossa casa"-no restaurante do chefe (e irmão de loja) Vítor Sobral, em Lisboa.
E se é certo que muitas dessas figuras, confrontadas pelo Expresso, preferiram remeter-se ao silêncio, outras desmentiram categoricamente pertencer à loja Mozart. Como os casos de António Saraiva, presidente da CIP, e do seu vice Armindo Monteiro. Ou de António Costa, o diretor do "Diário Económico", que fora questionado sobre a Ongoing no Parlamento: "Eu não sou maçom".
"A Ongoing não é a maçonaria"
"O Grupo Ongoing está, de novo, a ser alvo de ataques, cuja única motivação visa afetar negativamente a sua reputação", refere o conselho de administração do grupo num comunicado distribuído ao fim da tarde de ontem.
Durante a semana, o Expresso tentou obter uma reação da Ongoing e dos seus responsáveis em relação aos temas abordados nestas páginas, mas o grupo entendeu não responder às questões que lhe foram colocadas e optou por divulgar umtexto através da comunicação social.
"Negamos, sob todas as perspetivas e pontos de vista, 'alegadas' condutas menos próprias que nos são imputados nestas notícias", refere-se.Aadministração da Ongoing afirma ser "vítima recorrente de uma força de poder instalada, que, inaceitavelmente, ao longo dos anos se permite, sem escrutínio nem contraditório, ditar moralidade e ética para cima de tudo e de todos".
Dizendo-se alvo deum"constante ataque" da Impresa, o CA da Ongoing ignora todas as referências de que foi alvo esta semana noutros órgãos de comunicação e afirma que "a Ongoing não é a maçonaria". No texto distribuído não há qualquer referência ao papel de ex-responsáveis dos serviços secretos no grupo.
Texto publicado na edição do Expresso de 7 de janeiro de 2012
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