«O «007» PORTUGUÊS
«Secreta» acima de todas as suspeitas ou a história de uma «carta» fora
do baralho
Natural de Miosela, Guarda, Ramiro Ladeiro Monteiro, o fundador, em 1984, do Serviço de Informações e Segurança (SIS), chegou a confidenciar a um dos autores deste «blogue» «Cerca de 80 por cento da informação da “secreta” era retirada da leitura dos jornais».
Dispondo de um Orçamento apreciável de 27 milhões de euros e um valor de 820 mil euros só para pagar aos informadores, o SIS tem por finalidade a produção de informações úteis à segurança interna, prevenindo a sabotagem, o terrorismo, a espionagem e a prática de actos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o chamado Estado de Direito. Objectivos que foram sendo progressivamente adulterados, como veremos mais adiante…
Na Administração Pública desde 1958, Ladeiro Monteiro esteve ligado ao Instituto de Assistência Social de Angola e dirigiu o gabinete civil dos Serviços de Coordenação e Informação de Angola. A experiência neste último cargo teve um “forte peso”, segundo Ângelo Correia – ministro da Administração Interna da AD –, para a sua nomeação, não só como director do SEF, mas também como líder do SIS. Talvez reminiscências da sua actividade na função pública – que serviu à moda antiga, ou seja, com lealdade, patriotismo e zelo – logo que Ladeiro Monteiro tomou posse no cargo das «secretas», choveram criticas à sua nomeação, principalmente vindas dos sectores da esquerda, que encaravam o organismo quase como uma réplica da PIDE. Um relatório do Ministério Público elaborado nos anos noventa, apontava mesmo o SIS, detentor de «um preconceito ideológico» contra os partidos da esquerda, alinhavando um cenário «complexo» das suas actividades, «muito próximas emalguns aspectos, de um quadro mental típico do Estado Novo».
Ladeiro Monteiro chegou-nos a desabafar algumas inconfidências. Como a de que a tutela do SIS – era então ministro da Administração Interna, Dias Loureiro – pretender privilegiar a elaboração de dossiês detalhados sobre figuras de vários quadrantes, da política ao meio empresarial, a vigilância sobre sindicalistas e dinamizadores de «manifs», ou seja, dossiers que ultrapassavam o âmbito para que fora criado o Serviço (nada que não aconteça na actualidade, obviamente…).
Costa Freire, ex-secretário de Estado da Saúde, chegou a ser investigado pelo SIS a propósito das alegadas actividades pouco lícitas a que estaria ligado, a pedido do gabinete do então primeiro-ministro Cavaco Silva (curioso que, já como Presidente da República, Cavaco Silva continuasse a manter contactos com Ladeiro Monteiro mesmo depois de este ter deixado o cargo de director do SIS, pedindo-lhe, inclusive, pareceres sobre a actual situação política). Depois da recolha de informações junto de várias entidades por onde o secretário de
Estado da Saúde transitara antes de chegar ao Governo, a «secreta» concluiu que afinal, havia «fogo no ar» e encaminhou as suspeitas para o gabinete do primeiro-ministro. Um relatório que não deve ter tido grandes consequências, dado que, como se sabe, Costa Freire só abandonou o cargo depois de conhecidos os desenvolvimentos do «caso da Saúde»..
Aliás, por esta prática, ou seja, de andar a perseguir figuras que não seenquadram na actividade para a qual os serviços de informação foram criados, foi também alvo de suspeitas um outro serviço secreto congénere do SIS ligado à área militar, o SIEDM. Em 2006 (era então Paulo Portas ministro da Defesa) surgiram noticias na comunicação social que a «secreta militar» andava a investigar personalidades da vida política portuguesa, como foi o caso dos antigos ministros do PSD, Dias Loureiro e Ângelo Correia, o ex-o presidente do PP, Manuel Monteiro ( com quem Portas se incompatibilizara, eles que eram tão amigos no tempo do semanário «Independente»…), e o antigo ministro dirigente socialdemocrata, Cardoso e Cunha.
Passados os anos, Manuel Monteiro não tem dúvidas que a propagação desta notícia, que punha figuras políticas sob suspeita de serem agentes terroristas, mais não visou o propósito de Portas abrir um inquérito aos serviços por si tutelados e fazer rolar cabeças
incómodas…
Ladeiro Monteiro detestava métodos que não se integravam nos objectivos para que foram criados os serviços de informação em Portugal, sendo utilizados os seus meios operacionais e logísticos em estratégias de controlo do poder político, algumas vezes, de formas obscuras e censuráveis. Que era um homem atormentado entre o dever e as pressões de que era alvo.
Um vídeo chantagista
Já depois de ter deixado o seu cargo, para abraçar a carreira de docenteuniversitário na Universidade Autónoma de Lisboa, Ladeiro Monteiro fez-nosuma espantosa revelação durante um almoço «secreto» que reuniu um dos autores deste blogue na Baixa lisboeta e no qual esteve igualmente presente um homem que, na «blogosfera», se haveria de notabilizar, também ele, na denúncia de casos «secretos» que vão conspurcando a democracia.
Contou então que um operacional do seu serviço estava na posse de um vídeo, obtido à socapa num hotel em Luanda, onde surgiam políticos portugueses em destaque em actos sexuais com menores.
Ao que parece, elementos poderosos da nomenclatura então vigente na antiga colónia portuguesa, com ligações à antiga «secreta» DISA, usavam o filme clandestino como arma de chantagem sobre políticos nacionais na obtenção de contrapartidas económicas. A estupefacção demonstrada pelos dois interlocutores do responsável das secretas foi grande. E foi maior quando o antigo responsável da secreta nos informou que a «fita» estava a ser comercializada em Portugal por um valor a rondar os 5 mil euros cada cópia. E não faltaram os interessados em adquiri-la, entre eles, uma das eminências pardas do regime, ao que se julga saber, com ligações a «ordens» secretas que, na clandestinidade, vão gerindo os destinos do País, com capacidades invulgares de lançar putativos candidatos a governantes, de interceder em processos judiciais mediáticos, ou, simplesmente, de ser um dos mais respeitáveis «opinion makers», sendo presença assídua nas TV e jornais. O resultado desta trama, foi a promoção do operacional na hierarquia do Serviço e a crescente entrada no mercado financeiro e empresarial português dos capitais angolanos,operando em vários sectores, desde a banca,media Comunicações e <turismo.
A sensação com que o autor deste blogue ficou é que, gradualmente, Ladeiro Monteiro se tornou num alvo a abater, seja por guardar demasiados segredos de Estado para os homens que têm detido o poder desde a Revolução, ou por se recusar a entrar em certos jogos que nada tinham a ver com os objectivos do serviço que dirigia. E o pretexto para a sua demissão teve lugar em 1994, na sequência da espionagem do SIS a dois magistrados do Ministério Público da Madeira que colidia com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Curiosamente, um episódio no qual um dos autores deste blogue foi protagonista involuntário. Na véspera da demissão, Ladeiro Monteiro telefonou-lhe a pedir que fosse tomar o pequeno-almoço no hotel Altis, local habitual dos encontros entre ambos. O motivo era o de nos interpelar sobre o rumor que corria nos meandros políticos sobre o seu possível afastamento. Um pouco hesitante, informámo-lo que era uma notícia que, de facto, circulava nos gabinetes do Ministério da Administração Interna, nada de consistente. No dia seguinte, o director do SIS foi ao ministério da Administração Interna pedir a demissão do cargo a Dias Loureiro. Para o seu lugar, o governante nomeou o seu amigo Daniel Sanches, ao mesmo tempo que introduziu alterações na chefia da secreta militar, entregando-a ao seu conterrâneo e também a quem ligava laços de amizade, Lencastre Bernardo, uma das figuras mais preponderantes do Caso Camarate ( ver neste blogue a confissão de Fernando Farinha Simões, um dos suspeitos do atentado).
Curiosamente, tanto Sanches como Bernardo acabariam por ser convidados por Loureiro, poucos dias após ser nomeado administrador da SLN, para a «holding» do BPN. Ou seja, dois dos maiores estrategas nacionais em espionagem e informações, por cujas mãos passaram os mais intrigantes segredos políticos, económicos e empresariais, acabaram ligados a um Grupo envolto ultimamente em grandes polémicas. O procurador-geral-adjunto, Daniel Sanches, chegou mesmo a chefiar o DCIAP, a unidade de elite do MP, para passar para a SLN, onde foi administrador da Plêiade Investimentos, da Vsegur (segurança privada) e da ServiPlex. Mais tarde, chegou a ministro no governo liderado por Santana Lopes, com a tutela da Administração Interna. Três dias após a vitória do PS, em 2005, estava o anterior Governo em mera gestão, Sanches adjudicou o negócio do Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) a um consórcio liderado pela SLN, para a qual trabalhara entre 2001 e 2004. O contrato deste sistema de comunicações entre as polícias era da ordem dos 540 milhões de euros. O Executivo PS renegociou novo contrato com a SLN, ficando o SIRESP por 485 milhões de euros. Ao contrário dos administradores das entidades do consórcio, os quais foram todos constituídos arguidos por suspeitas de tráfico de influências e participação económica em negócio, Sanches não foi sequer chamado como testemunha ao inquérito, que foi arquivado pelo Ministério Público. Neste caso como num outro mais recente em que a SLN/BPN surgem envolvidos, Dias Loureiro passou incólume.«Les beaux esprits se rencontrente»…
Ladeiro Monteiro nunca teve dúvidas: era uma carta fora do «baralho» nas estratégias ínvias e interesses do poder vigente. Com a sua morte, ocorrida em 3 de Maio de 2010, muita gente neste país deve ter suspirado de alívio».