Empreiteiro entregou envelope com 2500
euros a uma funcionária, mas diz que foi engano. E quer de volta aquele valor
mais 1650 euros. O empresário da construção civil que foi acusado de corrupção
activa por ter oferecido um embrulho com livros e notas de banco à directora
financeira de uma empresa municipal de Sintra (ver PÚBLICO de 10/08/2005)
declarou ao tribunal que o envelope do dinheiro caiu por engano no meio dos
livros. Ilídio Godinho Ribeiro, que já foi várias vezes condenado, nomeadamente
por falsificação de documentos e falsas declarações, acrescentou que o envelope
continha 4150 euros, em vez dos 2500 que a funcionária diz ter encontrado. E
pediu ao juiz que aquele montante seja integralmente devolvido à empresa a que
está ligado.Com uma acidentada história de negócios no sector da construção
civil e participação em empresas falidas ou desactivadas, Ilídio Ribeiro
aparece neste processo como representante da Ribamaia, uma das duas sociedades
a quem a empresa municipal Educa adjudicou a construção da Escola Básica do
Sabugo. A outra dá pelo nome de António Veiga, Empresa de Construção e ambas
têm como sócia largamente maioritária Ermelinda Ribeiro, uma estudante de 29
anos filha do próprio Ilídio Ribeiro. O empresário, todavia, declarou ao
tribunal que, à data dos factos, em Agosto do ano passado, era apenas
orçamentista da Ribamaia e que o sócio-gerente era um cidadão francês, Michel
Labeyrie.Na versão descrita pelo advogado de Ilídio Ribeiro no requerimento de
abertura de instrução do processo, após a acusação deduzida pelo Ministério
Público em Março último, seria esse mesmo sócio francês, que a Judiciária nunca
conseguiu localizar, que teria mandado embrulhar os três livros que o arguido
entregou, a seu pedido, à directora financeira da Educa. O requerimento entrou
no Tribunal de Sintra em Abril e sustenta a inocência de Ilídio Ribeiro, o qual
"nunca pretendeu oferecer qualquer quantia à referida funcionária, nem
nunca pretendeu obter dela o que quer que fosse em troca dessa
quantia".Nos termos da acusação e da denúncia entregue ao tribunal, em
Setembro de 2004, pelo presidente da Câmara de Sintra, Fernando Seara, com base
nas declarações da directora financeira da Educa e de um jurista da autarquia,
o que terá acontecido resume-se a uma tentativa de corrupção. O objectivo do
empresário, que entregou à funcionária um embrulho com três livros e um
envelope com 41 notas no valor total de 2500 euros, seria o de conseguir o seu
empenho pessoal para que a empresa municipal se comprometesse, por escrito, com
uma data de pagamento de uma factura de 339 mil euros. A funcionária só terá
percebido que, além dos livros, oferecidos por alegada simpatia pessoal, havia
um envelope com dinheiro no embrulho quando já se encontrava sozinha ao final
do dia.Depois de comunicar a situação a um jurista da câmara, os dois
contactaram Fernando Seara, já no dia seguinte. O autarca decidiu mandar lacrar
o envelope, depois de se verificar que continha 2500 euros, e ordenou a sua
entrega ao Ministério Público, juntamente com a participação criminal por
corrupção activa contra Ilídio Ribeiro.Ouvido pela Judiciária em Janeiro, o
arguido afirmou que desconhecia o conteúdo do pacote entregue à directora da
Educa, dizendo que apenas sabia tratar-se de livros. De acordo com o seu depoimento
terá sido o gerente da Ribamaia, Michel Labeyrie, quem os comprou e lhe pediu
que os levasse por a senhora ir de férias.O envelope caiu
"inadvertidamente" no meio dos livrosQuatro meses depois, no pedido
de abertura de instrução, o advogado Moiteirinho Gonçalves veio, porém, trazer
novos elementos ao processo. Afinal, após uma conversa com Labeyrie, Ilídio
Ribeiro terá percebido tudo o que se passou. "O senhor Michel Labeyrie
relatou-lhe ter desaparecido [da Ribamaia] um envelope com a quantia de 4 150
euros, o qual afinal haveria de reaparecer dentro dos livros oferecidos à dita
funcionária" [da Educa]. O advogado explica o caso com a hipótese de,
quando os livros foram embalados na empresa, "ter ocorrido
inadvertidamente a inclusão do envelope com o dinheiro", no embrulho
destinado à funcionária.O requerimento dirigido ao juiz de instrução qualifica
como "estranho" o facto de a destinatária do pacote "só
reconhecer que aí se encontrava a quantia de 2500 euros, pois o referido envelope
continha 4 150 euros", quantia que, acrescenta, "deverá ser devolvida
à sociedade Ribamaia sua legítima proprietária."Quando prestou declarações
à polícia na fase de inquérito, Ermelinda Ribeiro explicou que Michel Labeyrie
era seu "padrinho" e que "se ausenta muito para Angola e São
Tomé". Contrariando a versão do pai, que disse ser apenas empregado da
Ribamaia, Ermelinda Ribeiro afirmou que "até ao início de 2005" a
gerência da firma foi exercida por ele próprio.Na sequência do pedido de
abertura da instrução foram ouvidas duas testemunhas indicadas por Ilídio
Ribeiro, mas Michel Labeyrie nunca compareceu. O processo aguarda agora que o
juiz decida se aceita as explicações do empresário e arquiva o processo, ou se
o leva a julgamento (Público)