O Partido Nacional Renovador: a nova extrema-direita na democracia portuguesa
José Mourão da Costa*
FCSH, Universidade Nova de Lisboa
O Partido Nacional Renovador (PNR) representa o mais recente desenvolvimento na história das organizações e partidos de extrema-direita em Portugal. Fundado na viragem do século, veio preencher um espaço órfão de representação partidária e romper com a tradição universalista e multirracial do nacionalismo lusitano. Assumindo um papel aglutinador entre o movimento associativo afecto à extrema-direita, o partido constituiu-se como a expressão portuguesa de uma nova linhagem de partidos nacional-populistas na Europa Ocidental. Contudo, apesar de ter adquirido uma visibilidade sem precedentes entre os seus antecessores na era democrática, o seu desempenho no plano eleitoral não feriu a tese da marginalização da direita radical portuguesa.
Palavras-chave: Extrema-direita; nacionalismo, Partido Nacional Renovador.
The PNR and the new far-right in Portuguese democracy
Abstract
The Partido Nacional Renovador (National Renewal Party) represents the latest development in the history of far-right organizations and parties in Portugal.
Established at the turn of the century, it occupied a niche unclaimed by any other party, breaking with the universalist and multiracial tradition of Portuguese nationalism.
Taking on a unifying role within the far-right associative movement, the party established itself as the Portuguese manifestation of a new lineage of nationalist-populist parties in Western Europe. However, despite having acquired a visibility that was unprecedented among its predecessors in the democratic era, its performance on the electoral stage did not alter the marginal status of the Portuguese far-right.
KeywordsExtreme right; nationalism; Partido Nacional Renovador.
Introdução1
No final da Segunda Guerra Mundial, a exposição das atrocidades cometidas durante o conflito, bem como a confiança nas instituições políticas e o ciclo de crescimento económico que se lhe seguiu, deslegitimaram os herdeiros do fascismo e do nacional-socialismo na Europa Ocidental. No entanto, desde o final dos anos 70, e sobretudo a partir da década 80, assistiu-se ao ressurgimento da direita radical no mapa político europeu, bem como à sua penetração nos sistemas parlamentares em diversos países do velho continente. Advogando um nacionalismo de recorte etnocêntrico e exibindo uma retórica anti-sistema, esta nova família política procurou responder às transformações induzidas pela globalização e atrair os grupos mais ameaçados pelos fenómenos do desemprego e da insegurança. Em Portugal, o espaço da direita radical na arena democrática foi fortemente condicionado pelas características do anterior regime, pela própria natureza da transição e pelo clima político ulterior à Revolução dos Cravos. Superando um ambiente institucional pouco propício à emergência de forças nacionalistas, a implantação do Partido Nacional Renovador (PNR) no sistema partidário, ocorrida no raiar do séculoxxi, veio relançar o debate sobre o espaço da extrema-direita em Portugal. O presente artigo pretende assim constituir um contributo para a compreensão do fenómeno do nacional-populismo na Europa, através de um olhar sobre a nova extrema-direita lusitana e a sua mais recente expressão no tecido partidário. Partindo de uma leitura sobre dinâmicas sociais e políticas que abriram caminho aos partidos exclusivistas no teatro europeu, procura-se reconstituir o essencial do trajecto do PNR. Ao mesmo tempo, serão analisadas as convulsões internas e os comportamentos políticos que aproximaram o partido dos principais intérpretes da extrema-direita pós-industrial, assim como os preceitos ideológicos que permitem enquadrar o seu aparecimento no contexto de uma nova linhagem europeia. Por fim, a partir do desempenho do PNR na frente eleitoral, este artigo debruça-se sobre as actuais possibilidades de afirmação de um partido nacionalista na democracia portuguesa.
Mudança de valores
De acordo com a teoria sobre valores materialistas e pós-materialistas enunciada por Inglehart (1971) no inícios dos anos 70 o desenvolvimento pós-industrial das sociedades ocidentais a partir de meados dos anos 60 desencadeou uma mudança profunda nas prioridades valorativas dos cidadãos. As gerações do pós-guerra, conhecendo ambientes de paz, abundância de bens materiais e sistemas de protecção social alargados, assumem como prioridades valorativas questões como a qualidade de vida, a protecção do ambiente ou a participação política. Ao mesmo tempo, o declínio das relações laborais enquanto motor dos conflitos sociais, a par dos fenómenos de secularização e atomização, esbateram os vínculos tradicionais e o sentido de pertença (Eatwell, 2003; Ignazi, 2003). Na esfera política, este processo irá traduzir-se na reestruturação dos eixos de conflito ideológico, através da introdução de novos ingredientes na tradicional clivagem entre esquerda e direita. As antigas fracturas de natureza económica, centradas no papel do Estado na distribuição de riqueza ou na propriedade dos meios de produção, não mais definem em exclusivo o eixo de conflito nas sociedades pós-industriais, que passa a acomodar novas clivagens de natureza não material (Eatwell, 2003; Freire, 2003a; Ignazi, 2003).
As primeiras manifestações políticas da cultura pós-moderna surgem com a revolução jovem e os movimentos sociais dos anos 60. Esta geração foi movida pela crítica aos princípios fundamentais das sociedades modernas centralismo político, industrialização e burocratização reclamando ao mesmo tempo uma maior participação democrática e afirmação individual. As suas reivindicações adquirem fisionomia política no final da década de 70, com a emergência dos partidos da esquerda libertária (Kitschelt, 1997) ou partidos Verdes (Ignazi, 1996). Adoptando formas de militância menos rígidas e descentralizadas (Cole, 2005), os partidos Verdes apresentaram um amplo conjunto de reivindicações sob a tónica do pacifismo, igualdade, direitos das minorias, liberdade sexual, entre outras questões (Ignazi, 2003; Kitschelt, 1997).
As transformações sociais e os novos eixos de conflito incorporados pelos partidos Verdes ou da esquerda libertária despertaram também novas formas de reacção de natureza não material. O ponto de transição surge nos princípios da década de 80, com os ecos da viragem conservadora nos países anglo-saxónicos e a infiltração das teses da nouvelle droite na cultura política da direita. Estas duas correntes iriam desencadear uma contra-revolução silenciosa (Ignazi, 1992), que abriu caminho a uma nova vaga de extrema-direita, quer através do nascimento de novos partidos, quer através da reconversão de partidos revivalistas do fascismo (Ignazi, 2003).
A transmissão destas duas correntes para a direita europeia foi inicialmente absorvida pelos partidos conservadores e desencadeou dois movimentos opostos: uma primeira dinâmica centrífuga, que antecede a abordagem destas forças ao poder, sendo caracterizada pela radicalização do discurso político e a politização de temas como a imigração ou a segurança. Um segundo movimento centrípeto é accionado quando estes partidos assumem responsabilidades de governo, sendo caracterizado pela moderação do discurso e a incapacidade de responder a preocupações por eles introduzidas. Esta polarização é geralmente acompanhada por uma acentuada crise do sistema de representação, abalado pela desacreditação das instituições e das elites, consideradas distantes dos seus representados e recorrentemente conotadas com práticas clientelares e formas de corrupção diversas. Tais atitudes produziram um contexto extremamente favorável ao aumento da volatilidade eleitoral e constituíram um fortíssimo elemento mobilizador da nova direita radical europeia, proporcionando-lhe um nicho eleitoral que viabilizou a sua penetração nas esferas de representação política (Ignazi, 2003; Kitschelt, 1997; Minkenberg, 2000).
O desenvolvimento pós-industrial das sociedades ocidentais produziu assim dois fenómenos opostos: a afirmação individual e o reforço dos mecanismos de participação democrática, pela mão de movimentos sociais progressistas e dos partidos Verdes; o primado da segurança sobre a liberdade, pilar da revolução conservadora no universo anglo-saxónico, inicialmente absorvido pelo centro-direita na Europa Ocidental. Beneficiando da dinâmica gerada pelos fenómenos de radicalização e polarização na sua abordagem ao poder, a partir do final da década de 70 uma nova linhagem de extrema-direita começou a incorporar as reivindicações introduzidas pelos partidos conservadores (Ignazi, 2003; Mudde, 2000).
Uma nova família de extrema-direita
Desde a Segunda Guerra Mundial existiram fundamentalmente três vagas de partidos de extrema-direita na Europa Ocidental. Uma primeira vaga corresponde aos partidos revivalistas do pós-guerra e foi corporizada, em larga medida, pelo Movimento Sociale Italiano, criado em Dezembro de 1946, e o Sozialistische Reichspartei na Alemanha, fundando no mesmo ano e interditado em 1949.2 Estes partidos foram essencialmente caracterizados por uma continuidade em relação ao fascismo e ao nacional-socialismo, embora sem a organização miliciana e o fulgor ideológico dos seus modelos históricos.
Com a segunda vaga de partidos, nas décadas de 50 e 60, a extrema-direita apresenta um padrão menos estruturado e coerente. Neste período, os mais relevantes actores políticos no quadro europeu foram, entre outros, o movimento francês Union de Défense des Commerçants et Artisants, criado em 1953, o holandês Boerenpartij, fundado em 1958, e o Nationaldemokratische Partei Deutschlands que, em 1964, representa a uma primeira tentativa de reabilitação do nacionalismo alemão. Não obstante o passado político dos seus quadros ter transportado alguns vestígios da matriz fascista, esta geração encarnou as primeiras reacções aos ciclos de crescimento económico acelerado que marcaram a Europa Ocidental do pós-guerra.
Em paralelo com o declínio dos partidos ligados à velha matriz fascista, a terceira vaga de extrema-direita no velho continente irrompe no final dos anos 70 e sobretudo com a chegada da década de 80. Entre manifestações nacionalistas e regionalistas, este fenómeno adquiriu rapidamente expressão continental, com a emergência de novos partidos em países como a Alemanha (Deutsche Volksunion e Republikaner), a Bélgica (Vlaams Belang), a Dinamarca (Fremskridtspartiet e Dansk Folkeparti), a França (Front National), a Itália (Lega Nord), a Noruega (Fremskritspartiet), a Suécia (National Demokraterna) e a Suíça (Schweizerische Volkspartei-Union).
A rápida proliferação de partidos de extrema-direita beneficiou de mecanismos de natureza relacional, como o contacto institucional entre lideranças ou o contacto informal entre redes de militantes, e também de mecanismos de natureza não-relacional, como a disseminação de literatura estrangeira ou a divulgação no espaço mediático dos casos de maior sucesso (Rydgren, 2005). Os partidos escandinavos, em particular a Dinamarca e a Noruega, foram os primeiros a conhecer fenómenos de crescimento assinaláveis.3 Nas décadas seguintes, a penetração de partidos nacionalistas nos sistemas parlamentares e a sua consequente institucionalização estendeu-se a outras democracias ocidentais. Em países como a Itália, a Áustria ou a Holanda, o sucesso de forças de extrema-direita permitiu mesmo a sua participação em coligações governamentais. No caso austríaco, a passagem do Freiheitliche Partei Österreichs pelo poder foi conseguida após um resultado próximo dos 26% nas eleições parlamentares de 1999, um desempenho sem paralelo na história da direita nacionalista europeia.
No entanto, apesar do protagonismo alcançado nestes países, foi sobretudo a projecção política e a expressão eleitoral da Front National em França que forneceu um efeito de demonstração e verdadeiramente despertou uma nova família política de extrema-direita na Europa Ocidental (Betz, 1994; Kitschelt, 1997; Ignazi, 2003; Carter, 2005). Criada em 1972, a Front National consegue um primeiro desempenho atípico nas eleições europeias de 1984, onde conquista 11,2% dos votos. Já em 1986, beneficiando do excepcional recurso ao sistema de representação proporcional em eleições legislativas, obtém um número considerável de mandatos no Parlamento francês. Sustentado por uma oposição ruidosa ao fenómeno da imigração, e sobretudo pelo carisma do seu líder histórico, Jean-Marie Le Pen, este partido foi rapidamente projectado para a arena mediática, constituindo-se desde então como referência ideológica e modelo organizativo para um conjunto de novos partidos no espaço europeu (Eatwell, 2002; Mudde, 2005; Norris, 2005). Em Portugal, a influência dos nacionalistas franceses seria igualmente determinante para a implantação e afirmação da nova direita radical no tecido partidário.
O caso português
Nas últimas décadas do século xx, os fenómenos sociais e económicos que caracterizaram os desenvolvimentos pós-industriais das sociedades ocidentais, assim como os comportamentos políticos que lhes surgiram associados deslocamento dos eixos de conflito e aumento da volatilidade eleitoral foram menos acentuados no caso português. Ao contrário de Espanha, onde a influência de valores pós-materialistas nas atitudes políticas se aproxima dos países mais desenvolvidos, Portugal apresentou indícios de um processo de mudança de valores tardio (Freire, 2003a; Jalali, 2007). Igualmente em sentido oposto a outros países da Europa Ocidental, o novo eixo de polarização em Portugal aparenta ser perfeitamente perpendicular à tradicional clivagem entre esquerda e direita (Freire, 2003a). Deste modo, os temas mais conotados com as novas manifestações no quadro da esquerda, assim como a sua reacção conservadora, parecem, no caso português, ter sido de alguma maneira absorvidos (em termos ideológicos) pelos partidos tradicionais (Freire, 2003a, p. 350).
Por outro lado, as vicissitudes políticas que marcaram o período da transição, momento crucial da mobilização política em Portugal (Jalali, 2007), determinaram que o apoio partidário se tenha estruturado em torno do conflito pela escolha do regime, em detrimento de clivagens sociais e religiosas. A adesão à União Europeia e o fluxo abundante de fundos comunitários acabariam nos anos seguintes por reforçar a posição eleitoral dos dois partidos centristas e consolidar o próprio sistema partidário (Freire, 2003a). Estes factores contribuíram em larga medida para explicar a ausência das manifestações políticas associadas aos desenvolvimentos pós-industriais. Contudo, fruto do crescimento económico, da mudança geracional e da consolidação de fenómenos sociais que enfraqueceram os vínculos e lealdades partidárias, o final dos anos 90 e o início do séculoxxi trouxeram consigo uma maior penetração de valores pós-materialistas, indiciando uma inversão na tendência até então registada. De igual modo, algumas das transformações políticas que caracterizaram a Europa Ocidental nas décadas de 70 e 80, têm vindo nos últimos anos a sofrer as primeiras réplicas em Portugal (Jalali, 2007; Zúquete, 2007).
À esquerda, as causas e reivindicações que marcaram a emergência dos partidos Verdes na Europa Ocidental não despertaram nenhum intérprete político até final dos anos 90. Mais recentemente, a representação deste fenómeno tem vindo, ainda que de forma cautelosa, a ser atribuída ao Bloco de Esquerda (Jalali, 2007; Zúquete, 2007). Esta hesitação prende-se fundamentalmente com a singularidade do partido no contexto da emergência dos chamados partidos Verdes na Europa. Enquanto produto de uma aliança relativamente heterogénea de forças de extrema-esquerda (Jalali, 2007, p. 98) em 1999, o Bloco não nasceu de uma raiz libertária. Por outro lado, o seu percurso nos primeiros anos mostrou que, quer ao nível dos quadros políticos, quer em termos programáticos, o partido não se afastou substancialmente do legado das forças políticas que estiveram na sua origem. No entanto, apesar desta singularidade, a apropriação dos temas que definem a agenda pós-industrial por parte do Bloco de Esquerda permitiu-lhe alargar de forma significativa a base de apoio dos partidos que estiveram na sua génese. Ao mesmo tempo, a forte adesão que recolheu junto do eleitorado jovem sobretudo entre os jovens mais secularizados, com maiores níveis de instrução e residentes nos grandes centros urbanos permitiu-lhe aceder às esferas de representação e assim consolidar-se no sistema partidário português (Freire, 2003a).
À direita, o peso da memória colectiva e as cicatrizes do período revolucionário continuam a exercer um constrangimento fortíssimo ao aparecimento de novas forças políticas à direita do Centro Democrático Social (CDS). Porém, as convulsões políticas decorrentes da mudança de valores não foram em Portugal um exclusivo da esquerda. No início da década de 90, em reacção ao esvaziamento político imposto pelos executivos de Cavaco Silva à direita, o CDS, renomeado Partido Popular em 1993, introduziu na agenda política alguns dos temas que caracterizaram a viragem conservadora na década de 80 (Pinto, 1996). Com recurso a um estilo populista (Jalali, 2007), a liderança de Manuel Monteiro levou ao debate público questões como a segurança, o reforço da protecção social para cidadãos nacionais, ou a primazia da independência nacional face aos projectos supranacionais. A politização destes temas associou também o nome do partido à defesa de leis de imigração mais restritivas, políticas de segurança mais severas, e ainda à adopção de uma postura eurocéptica, que levou mesmo à sua expulsão do Partido Popular Europeu, em 1993.
Por outro lado, embora já no início dos anos 80, sob a direcção de Lucas Pires, o CDS tenha experimentado uma efémera deriva liberal (Robinson, 1996), o reforço da iniciativa privada e a redução do peso do Estado na economia regressaram igualmente ao discurso do partido no consulado de Manuel Monteiro. Estas posições e a consequente radicalização do debate político contribuíram para o auspicioso desempenho eleitoral do CDS-PP em 1995, quando o partido se posicionou como terceira força nacional (Pinto, 1996). Mais tarde, já sob a liderança de Paulo Portas, a integração do CDS-PP na coligação governamental saída das eleições legislativas de 2002 levaria o partido a moderar o seu discurso nacionalista e securitário, bem como a realinhar o seu posicionamento europeísta. Esta trajectória centrípeta acabou por não ser acompanhada pela emergência de uma força política com expressão eleitoral à direita do CDS-PP. No entanto, a reacção autoritária à mudança de valores na Europa Ocidental não deixou de ter os seus intérpretes em Portugal.
O Partido Nacional Renovador
Com a transição desencadeada pela Revolução do 25 de Abril de 1974, a extrema-direita em Portugal enfrentou um contexto extraordinariamente adverso, que a remeteu para uma posição marginal na cena política portuguesa (Gallagher, 1992; Pinto, 1995; Davis, 1998; Zúquete, 2007). Despida de um projecto político após o fracasso histórico da proposta integracionista e de uma nação euro-africana (Pinto, 1996, p. 246), os herdeiros da mitologia fascista acomodaram-se ao novo elenco partidário ou afastaram-se em definitivo da arena política. A partir da década de 80, com a elite intelectual da extrema-direita distante do universo associativo remanescente, surgiram no país as primeiras manifestações de um novo paradigma nacionalista, associadas a um conjunto de pequenas organizações juvenis. Carentes de referências ideológicas no tecido nacional, as novas gerações de activistas começam neste período a absorver influências e a assimilar o discurso de organizações estrangeiras.
A ruptura doutrinária em relação ao nacionalismo universalista e à sua tradição multirracial seria assinalada pelo Movimento de Acção Nacional, fundado em 1985 por um grupo de jovens oriundos da cintura suburbana de Lisboa. Apesar de uma instável base militante e da sua efémera existência, esta organização foi percursora em Portugal do discurso exclusivista que incubou a terceira vaga de partidos nacionalistas na Europa Ocidental. Inicialmente disfarçado por uma roupagem skinhead e um tom racialista, este discurso introduziu em Portugal os primeiros indícios de um nacionalismo de recorte etnocêntrico. Das fileiras do Movimento de Acção Nacional saíram também alguns dos principais rostos da nova extrema-direita portuguesa, que a partir de meados da década seguinte iriam ter um papel determinante na edificação do Partido Nacional Renovador, na definição da sua identidade política, e na gradual aproximação do partido aos seus principais congéneres europeus.
Salazaristas vs. Europeístas
Em meados dos anos 90, já portadora de um discurso exclusivista mais refinado, a geração saída do Movimento de Acção Nacional e de outras estruturas organizativas do mesmo período4, procurou capitalizar a mobilização juvenil da década anterior ao serviço de uma estrutura política mais robusta. Neste grupo reúnem-se nomes como Bruno Oliveira Santos, José Luís Paulo Henriques, José Pinto-Coelho e Paulo Rodrigues, partilhando não apenas uma trajectória associativa, como também uma consciência europeísta, moldada pelas crescentes ligações a movimentos de extrema-direita no velho continente. Os esforços para contrariar a aridez organizativa da direita radical e para a recolocar no espectro partidário são nesta fase partilhados com outras sensibilidades da área nacionalista.
A principal corrente é formada por figuras afectas ao anterior regime e é liderada por António Cruz Rodrigues, histórico salazarista e figura incontornável das hostes nacionalistas em Portugal. Ligado ao Centro de Estudos Sociais Vector no princípio da década de 70, Cruz Rodrigues associa-se às primeiras manifestações partidárias da direita radical nos anos da transição, integrando o Movimento Popular Português, em 1974, e participando já em 1976 na refundação do Partido da Democracia Cristã. No início dos anos 90, surge à frente do Núcleo de Estudos Oliveira Salazar e em 1995 parte da sua iniciativa a criação da Aliança Nacional, organização sedeada nas instalações da editora Nova Arrancada. Através desta plataforma, Cruz Rodrigues propôs-se reanimar alguns dos antigos projectos partidários na área católica-tradicionalista do pós-25 de Abril. A convergência de interesses com a linha saudosista levará os principais nomes da geração pós-industrial a aderir à Aliança Nacional.
A tentativa de criar um partido político a partir da Aliança Nacional conhece dois capítulos distintos. Numa primeira fase, entre 1997 e 1998, os seus dirigentes procuram reunir o limite de assinaturas legalmente imposto para a constituição de uma força política de raiz. O fracasso das primeiras iniciativas levou os responsáveis da Aliança Nacional a estabelecerem contactos e a procurarem unir esforços com grupos nacionalistas radicados no Norte do país. As diligências movidas revelaram-se novamente infrutíferas e, face à manifesta incapacidade de erguer um novo partido pela via institucional, os responsáveis da Aliança Nacional traçaram em 1999 uma estratégia alternativa. Contornando as exigências legais à constituição de partidos, esta estratégia consistiu na tomada de uma força política existente o Partido Renovador Democrático através da inserção de quadros da Aliança Nacional nos seus órgãos directivos e de uma ulterior conversão estatutária.
Criado em 1985 sob o patrocínio do presidente da República Ramalho Eanes, o PRD colheu algum sucesso na sua fase inicial e desempenhou mesmo um papel determinante na obtenção da primeira maioria absoluta do PSD, nas eleições legislativas de 1987. Com a década de 90 chegaria um período de declínio continuado, que conduziu o partido a um estado vegetativo aquando das primeiras abordagens da Aliança Nacional. Nesta fase, a liderança do PRD estava nas mãos de Manuel Vargas Loureiro, cujo isolamento espelhava o próprio estado de decomposição em que o partido se encontrava. As conversações com Vargas Loureiro tiveram lugar na sede da Nova Arrancada e a condução do processo pertenceu desde início a José Luís Paulo Henriques, director executivo da editora e antigo rosto máximo do Movimento de Acção Nacional. Defensor de uma aproximação ao Partido da Democracia Cristã, Cruz Rodrigues permaneceu à margem dos contactos preliminares.
Não deixando de suscitar pontuais resistências entre militantes do PRD, o processo seria concretizado na Convenção Nacional do partido, a 13 de Novembro de 1999. Em função do papel da Aliança Nacional enquanto base logística das negociações e sobretudo devido ao seu estatuto político, a liderança foi entregue a Cruz Rodrigues. A composição da nova estrutura correspondeu, de resto, a uma quase transposição dos órgãos directivos da Aliança Nacional e nela seria já visível a presença dominante da facção soberanista e europeísta. A nova face do partido seria formalizada a 12 de Abril de 2000, com a aprovação do requerimento interposto ao Tribunal Constitucional para alteração dos estatutos, nome e símbolo. Concluído o processo, foi igualmente anunciado pela nova direcção o objectivo de colocar o agora Partido Nacional Renovador nos boletins de voto, concretizando assim as aspirações da direita nacionalista portuguesa e preenchendo um espaço órfão de representação partidária em Portugal.
Na sua primeira contenda eleitoral as eleições autárquicas de 2001 o PNR apresentou-se apenas nos concelhos de Lisboa e Mafra, onde obteve um total de 877 votos. A este resultado não foram alheios factores como a pesada herança financeira herdada do PRD e sobretudo o quadro de relativo anonimato em que o partido concorreu a este acto eleitoral. Não obstante ter despertado algumas reacções negativas em forças políticas de esquerda, o PNR foi nos primeiros anos uma formação manifestamente desconhecida para uma larga maioria da sociedade portuguesa. Por outro lado, uma vez alcançado o objectivo que unira os vários sectores da direita radical na segunda metade da década de 90, a convivência entre as correntes fundadoras do partido entrou inevitavelmente numa nova etapa, de cuja definição dependiam as ambições e o próprio posicionamento do PNR na democracia portuguesa.
A clivagem geracional e as divergências de ordem estratégica entre estas duas linhas adquiriram novos contornos na 1.ª Convenção Nacional do PNR, em Janeiro de 2002, ano em que a sede do partido deixou simbolicamente as instalações da Nova Arrancada e se transferiu para a Rua da Prata, no coração da cidade de Lisboa. Em vésperas da primeira participação do PNR em eleições legislativas, em que o partido recolheu 4712 votos5, a Convenção de 2002 trouxe para a presidência da Comissão Directiva Paulo Rodrigues. A presença na sua direcção de militantes próximos de Cruz Rodrigues prometia suavizar as diferenças entre as duas sensibilidades dominantes. Contudo, o encontro acabaria por ser controverso e a constituição de uma lista de última hora encabeçada por Cruz Rodrigues acabou por ditar o seu afastamento dos órgãos do PNR. Nos anos posteriores, as relações entre o antigo rosto máximo da Aliança Nacional e o partido deterioraram-se de forma irreversível, com consequências, inclusivamente, ao nível judicial.
O afastamento definitivo da ala salazarista e o apagamento dos últimos vestígios do paradigma nacionalista tradicional seriam consumados em 2005, na sequência da 2.ª Convenção Nacional do PNR e da eleição de José Pinto-Coelho para a liderança do partido. Com um percurso intermitente, Pinto-Coelho iniciou a sua actividade política nas fileiras do Movimento Nacionalista, em 1980, colaborando em diferentes manifestações da direita radical portuguesa nesse período, entre elas o Movimento Independente para a Reconstrução Nacional e a Ordem Nova. Em 1997, adere à Aliança Nacional para três anos mais tarde participar na fundação do PNR. A sua chegada à liderança do partido, em 2005, irá marcar uma ruptura no estilo de liderança e nas opções estratégicas das anteriores direcções, em linha com as transformações operadas nas últimas décadas pelos seus principais congéneres europeus. Estas mudanças tiveram repercussões a nível interno, particularmente através de uma reestruturação profunda dos quadros directivos do PNR, mas foi sobretudo para o exterior que as novas orientações se direccionaram.
Da rua da Prata ao Marquês de Pombal
Muito embora as ligações com movimentos europeus sejam anteriores ao nascimento do partido, com a entrada do PNR no mapa político os seus dirigentes esboçaram também os primeiros contactos institucionais além-fronteiras. Procurando obter desde cedo o reconhecimento de outros partidos de extrema-direita e a cobertura de organizações transnacionais, o partido alinhou em plataformas interpartidárias, entre as quais a Frente Nacional Europeia. No entanto, foi sobretudo no plano bilateral, ou através de redes informais de militantes, que os primeiros contactos foram encetados.
Entre as ligações estabelecidas pelo PNR, a Front National francesa constituiu desde cedo um parceiro privilegiado. Da formação de Jean-Marie Le Pen, os novos rostos da extrema-direita em Portugal receberam a inspiração para a sua insígnia, bem como um conjunto de rituais ensaiados ao longo de duas décadas de acção política. Foi também com base no exemplo da direita radical francesa que a partir de 2005 o PNR redefiniu a sua orientação estratégica. Estimulada pelo resultado das eleições legislativas desse ano, em que o partido registou um acréscimo substancial face ao resultado de 2002, obtendo 9374 votos6, a nova Comissão Directiva inaugurou uma campanha pública destinada a colocar o PNR na agenda mediática. Caracterizada por um hiperactivismo comunicacional (Zúquete, 2007), uma forte dinâmica organizativa e um tom deliberadamente provocatório, esta campanha proporcionou à direita radical portuguesa um período de excepcional projecção entre 2005 e 2007.
Do Atlântico aos Urais
Embora em sintonia estratégica com o partido, as primeiras iniciativas com relevo nos órgãos de comunicação partiram de movimentos políticos de extrema-direita, em particular a Frente Nacional, organização criada em 2005. Reproduzindo uma iniciativa semelhante da Frente Nacional Europeia, a direita radical portuguesa saiu pela primeira vez às ruas de Lisboa em Fevereiro de 2005, num desfile contra uma eventual adesão da Turquia à União Europeia. Esta posição, aparentemente contraditória com a hostilidade demonstrada pelos nacionalistas portugueses em relação à proposta de integração representada pela União Europeia e o seu alegado pendor federalista, reflectiu não apenas a crescente ligação ao tecido associativo europeu, mas sobretudo uma concepção pan-europeísta, profundamente enraizada na cultura política da extrema-direita pós-industrial.
Em contraste com os anos da Guerra Fria, em que a sombra do comunismo levou a um alinhamento pró-americano por parte das direitas radicais europeias, o nacionalismo contemporâneo recuperou o mito de uma Europa do Atlântico aos Urais. Esta Europa, entendida como uma aliança de nações integralmente soberanas, assenta fundamentalmente no reconhecimento de uma herança civilizacional comum e numa matriz de valores ocidental. Assim, embora rejeitando a integração política do país em estruturas supranacionais ou quaisquer formas de governação que colidam com o primado da inviolabilidade da soberania (Partido Nacional Renovador, 2005), a nova extrema-direita no velho continente, incluindo os seus interlocutores em Portugal, não deixou de se posicionar no debate sobre as fronteiras da Europa, reclamando a existência de um espaço identitário de natureza etnocultural.
A distinção entre uma Europa cultural e uma Europa institucional é igualmente visível na doutrina económica do partido. Apesar de as questões relacionadas com o funcionamento do mercado e com o papel do Estado na economia ocuparem uma posição relativamente secundária no seu programa, o PNR apresenta uma visão soberanista sobre a integração económica no espaço europeu. De acordo com esta linha, o partido opõem-se à adopção da moeda única e a formas de integração tendentes à unificação de mercados, contrastando assim com os princípios inscritos no Tratado de Maastricht. Ao invés, o PNR defende a necessidade de intensificar as relações comerciais com os povos europeus, através de prerrogativas como a abolição de barreiras alfandegárias, sem colidir com o princípio da soberania das nações.
Nas fronteiras do sistema
A manifestação contra a adesão da Turquia ao bloco europeu, sem particular relevo no plano doméstico, visou fundamentalmente enviar um sinal de vitalidade aos seus parceiros europeus. Desde então, as forças vivas da direita radical portuguesa apontaram baterias à agenda política nacional. Coincidindo com um protesto convocado por forças policiais em Junho de 2005, a extrema-direita irrompeu novamente nos palcos mediáticos através de uma manifestação contra a criminalidade. A necessidade de reforço dos meios de repressão e a dignificação da classe profissional dos polícias fizeram os títulos na imprensa, mas o discurso securitário e autoritarista expôs um outro elemento transversal da nova linhagem europeia de extrema-direita. Inicialmente no discurso dos seus dirigentes e, mais tarde, no próprio programa oficial do PNR, o partido procurou afirmar o primado da segurança sobre a liberdade, através de uma retórica populista contra o sistema político e contra os próprios fundamentos da democracia participativa.
O conceito de partido anti-sistema descreve as forças políticas que não partilham os valores fundamentais da ordem política na qual se inserem regime democrático posicionando-se nas suas fronteiras e procurando minar a sua legitimidade (Sartori, 1976). A rejeição dos valores, procedimentos e instituições fundamentais da democracia constitucional, frequentemente acompanhada por uma narrativa de cariz populista, tem sido apontada como um pilar estruturante da matriz doutrinária das principais manifestações da extrema-direita pós-industrial (Betz, 1994; Ignazi, 2003; Carter, 2005; Ivarsflaten, 2005).
Embora as contingências do xadrez democrático e o risco de estigmatização levem frequentemente o PNR a camuflar uma cultura política anti-liberal, o partido concebe o sistema como uma entidade omnipresente na vida política (Zúquete, 2007). Uma entidade composta por uma suposta elite cultural de esquerda, pela comunicação social e sobretudo pelos partidos da esfera parlamentar (Marchi, 2010). Através de uma retórica populista e maniqueísta, estas forças são descritas como o produto de uma dinâmica gerada pela globalização, que promove o multiculturalismo e o capitalismo, eliminando a especificidade das nações soberanas. Ao atingir as raízes do sistema partidário e do próprio regime democrático, o discurso do PNR procura assim explorar a insatisfação crescente do eleitorado português face à qualidade da democracia, potenciando, em particular, uma imagem muito negativa deste sobre a classe política (Freire, 2003b; Magalhães, 2005).
Esta relação sinuosa com o regime democrático é igualmente visível no seu discurso anti-abrilista. Nos textos emanados do partido, o diagnóstico negativo da situação do país é atribuído a três décadas de corrupção praticada por uma classe política inepta e irresponsável (Partido Nacional Renovador, 2008). Por outro lado, embora os documentos oficiais não contenham interpretações nostálgicas ou saudosistas do Estado Novo, os depoimentos públicos dos seus dirigentes contrariam muitas vezes a posição oficial, assumindo um tom revanchista e enaltecendo os méritos do regime salazarista (Marchi, 2010).
Um novo paradigma nacionalista
O PNR associou-se às primeiras demonstrações públicas organizadas pela Frente Nacional em 2005, mas só a partir de Setembro desse ano viria a assumir o papel de agente polarizador do activismo de extrema-direita em Portugal. A sua primeira iniciativa pública passou pela convocação de uma manifestação contra a adopção de crianças por casais homossexuais, a pedofilia e aquilo que designou por lobby gay. Com este evento, o partido procurou de forma explícita difundir uma marca tradicionalista, exaltando a importância da família nuclear enquanto célula básica da comunidade, na formação de uma sucessão de gerações ligadas hereditariamente (Partido Nacional Renovador, 2008) e no equilíbrio demográfico da nação.
A sucessão de eventos públicos com a chancela do PNR estendeu-se até Maio de 2006, data de uma acção de protesto em Vila de Rei contra um projecto autárquico destinado à fixação de imigrantes. Em Janeiro do mesmo ano, uma outra concentração havia evocado a memória de emigrantes portugueses assassinados na África do Sul, com recurso à colocação de mais de três centenas de cruzes na Alameda Afonso Henriques, em Lisboa. Esta acção procurou recriar o efeito estético das demonstrações convocadas pela extrema-direita alemã para assinalar o bombardeamento da cidade de Dresden durante a Segunda Guerra Mundial. Já em Abril de 2007, a campanha do PNR conheceu o seu ponto alto com a colocação de um cartaz contra a imigração na Praça do Marquês de Pombal que, inspirado por um polémico cartaz do Schweizerische Volkspartei-Union na Suíça, arremessou definitivamente o partido para os holofotes mediáticos.
Os modelos utilizados, incluindo o protagonismo atribuído a José Pinto-Coelho enquanto rosto máximo do partido (Zúquete, 2007; Marchi, 2010), expuseram uma vez mais a ligação entre os nacionalistas portugueses e as principais forças de extrema-direita no velho continente. A mensagem empunhou o grande estandarte político do PNR e dos movimentos políticos na sua órbita. A par de uma vocação pan-europeísta e de uma postura anti-sistema, a exaltação de uma comunidade nacional étnica e culturalmente homogénea, assim como a orientação exclusivista que lhe está implícita, constituem o elemento nuclear da matriz ideológica do partido e da nova direita radical portuguesa.
Na Europa Ocidental, as concepções exclusivistas têm sofrido mutações ao longo da história, sendo possível distinguir três paradigmas de referência. Uma primeira concepção menos restritiva deriva do jacobinismo francês, ao estabelecer como critério de pertença a assimilação cultural do elemento exterior à comunidade. O modelo jacobino está hoje profundamente enraizado no discurso da Front National, que imputa aos imigrantes, sobretudo os de origem árabe, uma incapacidade ou recusa em assimilarem os elementos distintivos da matriz cultural francesa. Um segundo modelo emerge da tradição política alemã, em que a cidadania emana fundamentalmente da descendência e do vínculo sanguíneo. Este modelo é passível de sustentar uma retórica anti-imigração com base em critérios xenófobos e racistas, muito embora o legado do nazismo constitua no presente um estigma fortíssimo à legitimação de políticas exclusivistas. Uma terceira concepção exclusivista é inspirada no modelo britânico, em que o mosaico nacional do seu império colonial deslegitimou historicamente a construção de um discurso exclusivista e favoreceu a consolidação de uma sociedade multinacional e multicultural (Eatwell, 2003).
À semelhança do paradigma britânico, também o nacionalismo português tradicional foi fundado em concepções multirraciais, intimamente associadas à defesa do espaço imperial e das possessões coloniais africanas (Pinto, 1994). Porém, com a descolonização e a derrocada dos alicerces doutrinários do nacionalismo universalista, os novos actores da direita radical portuguesa foram progressivamente abraçando as correntes exclusivistas que sopravam da Europa e amadurecendo um nacionalismo de base etnocêntrica. Assim, embora a sua linguagem resvale muitas vezes para um registo xenófobo e mesmo racialista, os fundamentos do novo paradigma nacionalista são sobretudo de natureza étnica. A nação é concebida não apenas como uma entidade cívica e territorial, cujos membros estão sujeitos a um mesmo conjunto de leis e instituições, mas sobretudo enquanto comunidade herdeira de um legado cultural formado no decorrer da história, que prevalece sobre o indivíduo e lhe é transmitido por via da descendência. O partido aspira assim à sobreposição entre etnia, enquanto unidade cultural, e Estado, enquanto unidade política, através de políticas activas de homogeneização étnica, nomeadamente a repatriação de imigrantes, a restrição do direito de asilo ou a supressão do reagrupamento familiar.
Com base nestes pressupostos, o PNR opõem-se igualmente à Lei da Nacionalidade em vigor desde 2006, que reforçou a aquisição da nacionalidade portuguesa por via do direito de terra jus soli em paralelo com o direito de sangue jus sanguinis. Ao mesmo tempo, o partido procura legitimar a ideia de uma competição injusta entre os membros da comunidade e as minorias étnicas no acesso ao mercado de trabalho, conotando as últimas com fenómenos como a delinquência ou a criminalidade. Neste particular, as comunidades provenientes de países africanos de expressão portuguesa, maioritariamente fixadas na área metropolitana de Lisboa, têm sido o alvo preferencial de ataque no discurso anti-imigração do PNR.
Radicalização e desmobilização
Além de uma crescente afinidade com os seus congéneres europeus, a campanha mediática do PNR deixou também a descoberto uma ligação estreita com o universo associativo da extrema-direita, assim como uma forte cumplicidade com o movimento skinhead em Portugal. O activismo skinhead em Portugal tem raízes na segunda metade dos anos 80 e, como ilustrado no passado pelo Movimento de Acção Nacional, evidenciou sempre algum antagonismo em relação a estruturas políticas organizadas e uma maior propensão para organizações secretas de base supranacional. Em 1995, à medida que as ligações entre claques de futebol e grupos neonazis se estreitavam, um episódio de violência largamente documentado nos órgãos de comunicação levaria à morte de Alcino Monteiro, cidadão português de origem cabo-verdiana. Do mesmo episódio, resultaria ainda a condenação de um grupo de skinheads, entre os quais se contava Mário Machado, o mais influente activista de extrema-direita em Portugal. Nesse período, foram também intensificados os contactos além-fronteiras, que levariam à criação da célula portuguesa da Irmandade Ariana, em meados da década de 90, e culminariam anos mais tarde com o nascimento da secção portuguesa da Hammerskin Nation uma das mais representativas congregações internacionais e da Frente Nacional (Salas, 2007).
Este processo, decisivo para a mobilização da extrema-direita portuguesa entre 2005 e 2007, contou ainda com apoio de novos métodos de comunicação e difusão. A internet revestiu-se de uma importância capital, ao permitir a importação de estratégias utilizadas noutros países e o contacto entre bolsas de militantes territorialmente dispersas. O sítio de divulgação Fórum Nacional, lançado em Abril de 2004, tornou-se neste período o mais importante veículo de comunicação para a direita radical portuguesa. Em paralelo com a Frente Nacional, este espaço constituiu uma autêntica agência de mobilização para acções de campanha incluindo as iniciativas do próprio PNR eventos culturais e encontros com a presença de figuras de referência no panorama internacional. Contudo, ao contrário de Espanha, onde a actividade dos grupos mais radicais se tem vindo a subordinar às orientações dos partidos de extrema-direita, o caso português denotou uma aparente ausência de controlo da estrutura partidária sobre os núcleos skinhead (Salas, 2007). Esta situação foi ilustrada de forma particularmente simbólica pelas dificuldades de implantação da Juventude Nacionalista, secção juvenil do PNR.
A Juventude Nacionalista nasceu de um compromisso de José Pinto-Coelho aquando da sua eleição para a liderança do partido em 2005, com o objectivo de enquadrar a militância juvenil numa estrutura tutelada pela Comissão Directiva. À semelhança de outras juventudes partidárias em Portugal, a criação do sector juvenil do PNR visou sobretudo cumprir um papel de mobilização e reproduzir a mensagem do partido para as camadas mais jovens da sociedade. Actuando enquanto plataforma de recrutamento e propaganda, o seu dispositivo foi sobretudo vocacionado para escolas secundárias e universidades. No entanto, a função aglutinadora que a Juventude Nacionalista procurou desempenhar foi desde cedo eclipsada pela hegemonia que a Frente Nacional já detinha sobre os fenómenos de militância juvenil. Ao mesmo tempo, consciente de que só a capacidade mobilizadora dos grupos skinhead poderia emprestar aos desfiles do partido uma dimensão capaz de atrair as atenções da imprensa, o PNR delegou de uma forma tácita o papel de agente dinamizador na Frente Nacional e acomodou-se ao estatuto de braço político da mesma. Cultivando esta relação de complementaridade, o partido contribuiu assim para a afirmação da Frente Nacional e o esvaziamento funcional da sua própria organização de juventude.
Por outro lado, ao acolher nas suas fileiras e lançar nos seus cortejos os grupos mais radicais, o PNR procurou manifestamente explorar o apetite da comunicação social pelos comportamentos dos seus jovens activistas, portadores de uma coreografia inspirada nas ideologias fascista e nacional-socialista. Estes comportamentos, além de afastarem sectores nacionalistas mais moderados, acabariam por ser imputados ao próprio partido e torná-lo objecto de uma cobertura hostil e alarmista por parte da comunicação social, que secundarizou a sua mensagem política e corroeu as suas credenciais democráticas.
Considerada pelas autoridades judiciais como uma ameaça à segurança interna, a actividade dos grupos mais radicais tornou-se objecto de investigações a partir de 2004. Desde essa data, o processo adquiriu uma grande magnitude e mobilizou diferentes órgãos de polícia criminal. Na sua fase final, em Abril de 2007, as diligências movidas pelas autoridades incluíram rusgas domiciliárias e buscas à própria sede do partido, produzindo um significativo número de acusações e detenções. Em paralelo com o efeito de deslegitimação gerado por uma cobertura mediática adversa, estas diligências deixaram sequelas profundas para o PNR. Por um lado, as baixas provocadas nas fileiras do movimento Skinhead pela detenção de influentes activistas reduziram substancialmente a sua capacidade de mobilização, atestando uma vez mais a importância da Frente Nacional na escalada mediática do partido. Por outro, as acções levadas a cabo pela Polícia Judiciária contribuíram fortemente para a inibição de importantes quadros da sua já escassa base militante, comprometendo de modo irreversível a dinâmica organizativa do PNR.
O PNR na democracia portuguesa
Apresentado na Convenção Nacional de 2005 e inscrito na Moção de Estratégica da Comissão Política Nacional Continuar para Servir Portugal o Objectivo 2009 foi o desígnio estratégico que orientou toda a acção política do PNR, apostado em conquistar representação parlamentar num horizonte temporal equivalente ao período de uma legislatura. Com esta estratégia, a direcção do partido pretendeu seguir uma vez mais o exemplo de outros partidos nacionalistas na Europa Ocidental, cujo exercício da representação política abriu caminho à legitimação, institucionalização e consolidação nos sistemas partidários.
Desde a conversão estatutária do PRD, que permitiu à direita nacionalista portuguesa recolocar-se no espectro partidário, o seu comportamento eleitoral foi testado em eleições autárquicas, legislativas e em eleições europeias. Não obstante uma ligeira tendência de crescimento, quer em termos do número de votos, quer ao nível da sua implantação territorial, o PNR permaneceu confinado a um nicho eleitoral restrito e as suas votações foram residuais. Neste aspecto, o desempenho do partido ficou assim aquém da dinâmica conseguida por outras forças de extrema-direita e longe do protagonismo conseguido pelos seus congéneres em países como França, Itália, Bélgica, Holanda ou Áustria.
A exposição mediática e as investigações judiciais movidas à actividade da extrema-direita portuguesa tiveram um impacto inegável na desmobilização do partido. Porém, se a redefinição estratégica do PNR a partir de 2007 se deveu sobretudo a factores de ordem conjuntural, a sua afirmação no plano eleitoral e mesmo a sua penetração no sistema parlamentar estiveram desde sempre condicionadas por um conjunto de obstáculos de natureza estrutural. A segregação política da direita radical portuguesa, em geral, e o insucesso eleitoral do PNR, em particular, são hoje ditados essencialmente por factores de ordem institucional, cultural e histórica. Estes factores diferenciam o caso português de outras democracias europeias e tornam improvável a erupção de uma força nacional-populista à direita do arco parlamentar.
Desempenho eleitoral do PNR entre 2000 e 2009
A natureza dos sistemas eleitorais tem sido apontada na literatura científica como uma condicionante institucional ao crescimento e consolidação da nova linhagem europeia de extrema-direita (Kitschelt, 1997; Eatwell, 2003; Ignazi, 2003). Os sistemas proporcionais com limiares de representação baixos tendem a favorecer os partidos com menor expressão eleitoral e, nesse sentido, oferecem aos partidos da direita radical maiores possibilidades de incursão nos sistemas parlamentares. Este factor foi determinante para a afirmação da direita radical em alguns países do velho continente, em particular no caso francês. Para a Front National, o exercício da representação política foi em larga medida possibilitado pelo recurso a limiares de representação parlamentar excepcionalmente baixos. Em Portugal, apesar da vigência do sistema de representação proporcional, o método de conversão de votos em mandatos o método dHondt é, entre aqueles utilizados nas democracias ocidentais, um dos menos permissivos à infiltração de pequenos partidos. Nesse sentido, apenas uma escalada eleitoral sem paralelo no repertório da extrema-direita poderia levar o PNR ao Parlamento português (Zúquete, 2007).
No que respeita a factores de génese cultural, os níveis de satisfação dos eleitores face à qualidade das democracias têm estado intimamente relacionados com a pujança das forças anti-sistema na Europa Ocidental (Knigge, 1998; Eatwell, 2003; Ignazi, 2003). No caso português, os estudos conduzidos nos últimos anos indicam que os níveis de satisfação face ao desempenho da democracia e das suas instituições mais emblemáticas apresentam uma tendência decrescente. Entre os países da União Europeia, Portugal experimentou mesmo o mais pronunciado declínio desde a década de 80. Estes valores denunciam uma atitude de alienação dos eleitores e também um elevado distanciamento entre os cidadãos e o poder político (Freire, 2003b; Magalhães 2005), que poderia ser favorável ao crescimento de um partido de extrema-direita. Porém, não obstante os sinais de descontentamento em relação à qualidade da democracia, a adesão dos eleitores aos seus princípios básicos e ao exercício do voto, enquanto instrumento de legitimação do regime, registam níveis invariavelmente elevados em Portugal. Simultaneamente, a oposição ao sistema democrático apresenta uma expressão residual no caso português, tendo sobretudo por base a defesa de mecanismos de participação menos elitistas, em detrimento de formas de governação autoritária (Freire, 2003b; Magalhães, 2005).
Sinal idêntico é oferecido pela tendência da abstenção nas últimas décadas. Ao contrário dos anos da transição, marcados por uma fortíssima mobilização cívica, os baixos níveis de participação verificados na actualidade sugerem que as atitudes de protesto tendem, na democracia portuguesa, a ser canalizadas para mecanismos de participação política extra-eleitoral, menos institucionalizados e mediados pelos partidos (Freire, 2003b). Quando convertidas no voto, estas atitudes incidem preferencialmente sobre eleições de segunda ordem, cujo desfecho tem um impacto menor no funcionamento dos sistemas políticos, o que tende a resfriar o voto útil e a favorecer o desempenho dos pequenos partidos. Na Europa Ocidental, a descolagem da extrema-direita a partir do final da década de 70 aconteceu sobretudo em eleições de segunda ordem, designadamente eleições locais e eleições para o Parlamento europeu. Nas últimas legislaturas, um número crescente de forças nacionalistas animou os trabalhos deste órgão, que ofereceu um palco privilegiado para a sua afirmação política e também um laboratório para as suas experiências de agregação.
No caso da direita radical portuguesa, a dinâmica do PNR em eleições de segunda ordem não tem sofrido oscilações significativas. Dado o reduzido número de concelhos em que o partido figurou nos boletins de voto em eleições autárquicas, esta conclusão emerge fundamentalmente do seu resultado nas eleições europeias de 2004 e sobretudo de 2009, ano em que as europeias precederam as eleições para a Assembleia da República. Contrariando as elevadas expectativas depositadas pelos seus dirigentes neste acto eleitoral (Marchi, 2010), a prestação europeia do PNR em 2009 não se diferenciou substancialmente do registo obtido nas eleições legislativas do mesmo ano. Além disso, a sua votação nas europeias beneficiou ainda do sistema do círculo nacional único, enquanto em termos nacionais o PNR não apresentou listas em todos os círculos. Nesse sentido, e à semelhança de outros partidos com menor expressão, o PNR parece assim não ter captado o voto de protesto do eleitorado português.
Por fim, além dos obstáculos de natureza institucional e cultural, a marginalização do PNR é também determinada por inibidores históricos. Convertido em norma constitucional desde 1976 e concretizado dois anos mais tarde na lei relativa a organizações fascistas, o repúdio social pelo nacionalismo de extrema-direita incorporou desde cedo os fundamentos do actual regime, conferindo-lhe uma natureza defensiva. Esta estigmatização embargou qualquer movimento saudosista do anterior regime e deixou as diferentes manifestações da direita radical portuguesa a operar num quadro legal extremamente adverso. Mais de três décadas volvidas sobre a queda do Estado Novo, o peso do passado salazarista na memória colectiva continua assim a sujeitar o PNR a um escrutínio permanente sobre as suas credenciais democráticas. Ao contrário de outros partidos exclusivistas na Europa, que beneficiam de contextos menos restritivos, o partido é recorrentemente confrontado com o espectro da ilegalidade, que oferece múltiplas condicionantes à sua intervenção política. No caso português, este enquadramento continua a sobrepor-se à influência que factores como o aumento da imigração ou o cenário de crise económica poderiam exercer na emergência de um partido nacional-populista (Jalali, 2007; Zúquete, 2007) e é susceptível de perpetuar a marginalização da extrema-direita.
Conclusão
A infiltração em Portugal das correntes doutrinárias que na década de 80 estremeceram os alicerces das direitas europeias, implicou mudanças profundas para a extrema-direita portuguesa. Partindo de um discurso racialista e de estruturas associativas incipientes, os seus novos intérpretes foram consolidando uma identidade soberanista e uma consciência europeísta. Com a viragem do século, a geração pós-industrial uniu esforços com outras sensibilidades para recolocar a direita radical no espectro partidário através do Partido Nacional Renovador. Fruto de uma débil situação financeira, e sobretudo de recalcadas divisões entre as duas correntes dominantes, os primeiros anos revelaram uma dinâmica organizativa escassa. Com o gradual afastamento da ala salazarista e a intensificação dos contactos com as principais manifestações da nova família de extrema-direita no velho continente, o partido consolidou as feições etnocêntricas e aguçou uma retórica populista. Ao mesmo tempo, inspirada pela Front National de Jean-Marie Le Pen, a direcção de José Pinto-Coelho adoptou uma estratégia de comunicação que visou a inserção do PNR nos palcos mediáticos, como plataforma para a sua afirmação na frente eleitoral. Porém, se a exposição pública permitiu ao partido sair do anonimato e adquirir uma visibilidade nunca antes conseguida por uma força nacionalista, a proximidade aos grupos mais radicais acabou por produzir um efeito de deslegitimação e determinar a estagnação da sua actividade política. Por outro lado, a projecção alcançada pela direita radical entre 2005 e 2007 acabou por não alterar a dinâmica eleitoral do PNR e a sua própria dimensão enquanto partido. À semelhança das primeiras forças nacionalistas nos anos da transição, o PNR permaneceu assim confinado a uma posição marginal na democracia portuguesa.
José Mourão da Costa*
FCSH, Universidade Nova de Lisboa
O Partido Nacional Renovador (PNR) representa o mais recente desenvolvimento na história das organizações e partidos de extrema-direita em Portugal. Fundado na viragem do século, veio preencher um espaço órfão de representação partidária e romper com a tradição universalista e multirracial do nacionalismo lusitano. Assumindo um papel aglutinador entre o movimento associativo afecto à extrema-direita, o partido constituiu-se como a expressão portuguesa de uma nova linhagem de partidos nacional-populistas na Europa Ocidental. Contudo, apesar de ter adquirido uma visibilidade sem precedentes entre os seus antecessores na era democrática, o seu desempenho no plano eleitoral não feriu a tese da marginalização da direita radical portuguesa.
Palavras-chave: Extrema-direita; nacionalismo, Partido Nacional Renovador.
The PNR and the new far-right in Portuguese democracy
Abstract
The Partido Nacional Renovador (National Renewal Party) represents the latest development in the history of far-right organizations and parties in Portugal.
Established at the turn of the century, it occupied a niche unclaimed by any other party, breaking with the universalist and multiracial tradition of Portuguese nationalism.
Taking on a unifying role within the far-right associative movement, the party established itself as the Portuguese manifestation of a new lineage of nationalist-populist parties in Western Europe. However, despite having acquired a visibility that was unprecedented among its predecessors in the democratic era, its performance on the electoral stage did not alter the marginal status of the Portuguese far-right.
KeywordsExtreme right; nationalism; Partido Nacional Renovador.
Introdução1
No final da Segunda Guerra Mundial, a exposição das atrocidades cometidas durante o conflito, bem como a confiança nas instituições políticas e o ciclo de crescimento económico que se lhe seguiu, deslegitimaram os herdeiros do fascismo e do nacional-socialismo na Europa Ocidental. No entanto, desde o final dos anos 70, e sobretudo a partir da década 80, assistiu-se ao ressurgimento da direita radical no mapa político europeu, bem como à sua penetração nos sistemas parlamentares em diversos países do velho continente. Advogando um nacionalismo de recorte etnocêntrico e exibindo uma retórica anti-sistema, esta nova família política procurou responder às transformações induzidas pela globalização e atrair os grupos mais ameaçados pelos fenómenos do desemprego e da insegurança. Em Portugal, o espaço da direita radical na arena democrática foi fortemente condicionado pelas características do anterior regime, pela própria natureza da transição e pelo clima político ulterior à Revolução dos Cravos. Superando um ambiente institucional pouco propício à emergência de forças nacionalistas, a implantação do Partido Nacional Renovador (PNR) no sistema partidário, ocorrida no raiar do séculoxxi, veio relançar o debate sobre o espaço da extrema-direita em Portugal. O presente artigo pretende assim constituir um contributo para a compreensão do fenómeno do nacional-populismo na Europa, através de um olhar sobre a nova extrema-direita lusitana e a sua mais recente expressão no tecido partidário. Partindo de uma leitura sobre dinâmicas sociais e políticas que abriram caminho aos partidos exclusivistas no teatro europeu, procura-se reconstituir o essencial do trajecto do PNR. Ao mesmo tempo, serão analisadas as convulsões internas e os comportamentos políticos que aproximaram o partido dos principais intérpretes da extrema-direita pós-industrial, assim como os preceitos ideológicos que permitem enquadrar o seu aparecimento no contexto de uma nova linhagem europeia. Por fim, a partir do desempenho do PNR na frente eleitoral, este artigo debruça-se sobre as actuais possibilidades de afirmação de um partido nacionalista na democracia portuguesa.
Mudança de valores
De acordo com a teoria sobre valores materialistas e pós-materialistas enunciada por Inglehart (1971) no inícios dos anos 70 o desenvolvimento pós-industrial das sociedades ocidentais a partir de meados dos anos 60 desencadeou uma mudança profunda nas prioridades valorativas dos cidadãos. As gerações do pós-guerra, conhecendo ambientes de paz, abundância de bens materiais e sistemas de protecção social alargados, assumem como prioridades valorativas questões como a qualidade de vida, a protecção do ambiente ou a participação política. Ao mesmo tempo, o declínio das relações laborais enquanto motor dos conflitos sociais, a par dos fenómenos de secularização e atomização, esbateram os vínculos tradicionais e o sentido de pertença (Eatwell, 2003; Ignazi, 2003). Na esfera política, este processo irá traduzir-se na reestruturação dos eixos de conflito ideológico, através da introdução de novos ingredientes na tradicional clivagem entre esquerda e direita. As antigas fracturas de natureza económica, centradas no papel do Estado na distribuição de riqueza ou na propriedade dos meios de produção, não mais definem em exclusivo o eixo de conflito nas sociedades pós-industriais, que passa a acomodar novas clivagens de natureza não material (Eatwell, 2003; Freire, 2003a; Ignazi, 2003).
As primeiras manifestações políticas da cultura pós-moderna surgem com a revolução jovem e os movimentos sociais dos anos 60. Esta geração foi movida pela crítica aos princípios fundamentais das sociedades modernas centralismo político, industrialização e burocratização reclamando ao mesmo tempo uma maior participação democrática e afirmação individual. As suas reivindicações adquirem fisionomia política no final da década de 70, com a emergência dos partidos da esquerda libertária (Kitschelt, 1997) ou partidos Verdes (Ignazi, 1996). Adoptando formas de militância menos rígidas e descentralizadas (Cole, 2005), os partidos Verdes apresentaram um amplo conjunto de reivindicações sob a tónica do pacifismo, igualdade, direitos das minorias, liberdade sexual, entre outras questões (Ignazi, 2003; Kitschelt, 1997).
As transformações sociais e os novos eixos de conflito incorporados pelos partidos Verdes ou da esquerda libertária despertaram também novas formas de reacção de natureza não material. O ponto de transição surge nos princípios da década de 80, com os ecos da viragem conservadora nos países anglo-saxónicos e a infiltração das teses da nouvelle droite na cultura política da direita. Estas duas correntes iriam desencadear uma contra-revolução silenciosa (Ignazi, 1992), que abriu caminho a uma nova vaga de extrema-direita, quer através do nascimento de novos partidos, quer através da reconversão de partidos revivalistas do fascismo (Ignazi, 2003).
A transmissão destas duas correntes para a direita europeia foi inicialmente absorvida pelos partidos conservadores e desencadeou dois movimentos opostos: uma primeira dinâmica centrífuga, que antecede a abordagem destas forças ao poder, sendo caracterizada pela radicalização do discurso político e a politização de temas como a imigração ou a segurança. Um segundo movimento centrípeto é accionado quando estes partidos assumem responsabilidades de governo, sendo caracterizado pela moderação do discurso e a incapacidade de responder a preocupações por eles introduzidas. Esta polarização é geralmente acompanhada por uma acentuada crise do sistema de representação, abalado pela desacreditação das instituições e das elites, consideradas distantes dos seus representados e recorrentemente conotadas com práticas clientelares e formas de corrupção diversas. Tais atitudes produziram um contexto extremamente favorável ao aumento da volatilidade eleitoral e constituíram um fortíssimo elemento mobilizador da nova direita radical europeia, proporcionando-lhe um nicho eleitoral que viabilizou a sua penetração nas esferas de representação política (Ignazi, 2003; Kitschelt, 1997; Minkenberg, 2000).
O desenvolvimento pós-industrial das sociedades ocidentais produziu assim dois fenómenos opostos: a afirmação individual e o reforço dos mecanismos de participação democrática, pela mão de movimentos sociais progressistas e dos partidos Verdes; o primado da segurança sobre a liberdade, pilar da revolução conservadora no universo anglo-saxónico, inicialmente absorvido pelo centro-direita na Europa Ocidental. Beneficiando da dinâmica gerada pelos fenómenos de radicalização e polarização na sua abordagem ao poder, a partir do final da década de 70 uma nova linhagem de extrema-direita começou a incorporar as reivindicações introduzidas pelos partidos conservadores (Ignazi, 2003; Mudde, 2000).
Uma nova família de extrema-direita
Desde a Segunda Guerra Mundial existiram fundamentalmente três vagas de partidos de extrema-direita na Europa Ocidental. Uma primeira vaga corresponde aos partidos revivalistas do pós-guerra e foi corporizada, em larga medida, pelo Movimento Sociale Italiano, criado em Dezembro de 1946, e o Sozialistische Reichspartei na Alemanha, fundando no mesmo ano e interditado em 1949.2 Estes partidos foram essencialmente caracterizados por uma continuidade em relação ao fascismo e ao nacional-socialismo, embora sem a organização miliciana e o fulgor ideológico dos seus modelos históricos.
Com a segunda vaga de partidos, nas décadas de 50 e 60, a extrema-direita apresenta um padrão menos estruturado e coerente. Neste período, os mais relevantes actores políticos no quadro europeu foram, entre outros, o movimento francês Union de Défense des Commerçants et Artisants, criado em 1953, o holandês Boerenpartij, fundado em 1958, e o Nationaldemokratische Partei Deutschlands que, em 1964, representa a uma primeira tentativa de reabilitação do nacionalismo alemão. Não obstante o passado político dos seus quadros ter transportado alguns vestígios da matriz fascista, esta geração encarnou as primeiras reacções aos ciclos de crescimento económico acelerado que marcaram a Europa Ocidental do pós-guerra.
Em paralelo com o declínio dos partidos ligados à velha matriz fascista, a terceira vaga de extrema-direita no velho continente irrompe no final dos anos 70 e sobretudo com a chegada da década de 80. Entre manifestações nacionalistas e regionalistas, este fenómeno adquiriu rapidamente expressão continental, com a emergência de novos partidos em países como a Alemanha (Deutsche Volksunion e Republikaner), a Bélgica (Vlaams Belang), a Dinamarca (Fremskridtspartiet e Dansk Folkeparti), a França (Front National), a Itália (Lega Nord), a Noruega (Fremskritspartiet), a Suécia (National Demokraterna) e a Suíça (Schweizerische Volkspartei-Union).
A rápida proliferação de partidos de extrema-direita beneficiou de mecanismos de natureza relacional, como o contacto institucional entre lideranças ou o contacto informal entre redes de militantes, e também de mecanismos de natureza não-relacional, como a disseminação de literatura estrangeira ou a divulgação no espaço mediático dos casos de maior sucesso (Rydgren, 2005). Os partidos escandinavos, em particular a Dinamarca e a Noruega, foram os primeiros a conhecer fenómenos de crescimento assinaláveis.3 Nas décadas seguintes, a penetração de partidos nacionalistas nos sistemas parlamentares e a sua consequente institucionalização estendeu-se a outras democracias ocidentais. Em países como a Itália, a Áustria ou a Holanda, o sucesso de forças de extrema-direita permitiu mesmo a sua participação em coligações governamentais. No caso austríaco, a passagem do Freiheitliche Partei Österreichs pelo poder foi conseguida após um resultado próximo dos 26% nas eleições parlamentares de 1999, um desempenho sem paralelo na história da direita nacionalista europeia.
No entanto, apesar do protagonismo alcançado nestes países, foi sobretudo a projecção política e a expressão eleitoral da Front National em França que forneceu um efeito de demonstração e verdadeiramente despertou uma nova família política de extrema-direita na Europa Ocidental (Betz, 1994; Kitschelt, 1997; Ignazi, 2003; Carter, 2005). Criada em 1972, a Front National consegue um primeiro desempenho atípico nas eleições europeias de 1984, onde conquista 11,2% dos votos. Já em 1986, beneficiando do excepcional recurso ao sistema de representação proporcional em eleições legislativas, obtém um número considerável de mandatos no Parlamento francês. Sustentado por uma oposição ruidosa ao fenómeno da imigração, e sobretudo pelo carisma do seu líder histórico, Jean-Marie Le Pen, este partido foi rapidamente projectado para a arena mediática, constituindo-se desde então como referência ideológica e modelo organizativo para um conjunto de novos partidos no espaço europeu (Eatwell, 2002; Mudde, 2005; Norris, 2005). Em Portugal, a influência dos nacionalistas franceses seria igualmente determinante para a implantação e afirmação da nova direita radical no tecido partidário.
O caso português
Nas últimas décadas do século xx, os fenómenos sociais e económicos que caracterizaram os desenvolvimentos pós-industriais das sociedades ocidentais, assim como os comportamentos políticos que lhes surgiram associados deslocamento dos eixos de conflito e aumento da volatilidade eleitoral foram menos acentuados no caso português. Ao contrário de Espanha, onde a influência de valores pós-materialistas nas atitudes políticas se aproxima dos países mais desenvolvidos, Portugal apresentou indícios de um processo de mudança de valores tardio (Freire, 2003a; Jalali, 2007). Igualmente em sentido oposto a outros países da Europa Ocidental, o novo eixo de polarização em Portugal aparenta ser perfeitamente perpendicular à tradicional clivagem entre esquerda e direita (Freire, 2003a). Deste modo, os temas mais conotados com as novas manifestações no quadro da esquerda, assim como a sua reacção conservadora, parecem, no caso português, ter sido de alguma maneira absorvidos (em termos ideológicos) pelos partidos tradicionais (Freire, 2003a, p. 350).
Por outro lado, as vicissitudes políticas que marcaram o período da transição, momento crucial da mobilização política em Portugal (Jalali, 2007), determinaram que o apoio partidário se tenha estruturado em torno do conflito pela escolha do regime, em detrimento de clivagens sociais e religiosas. A adesão à União Europeia e o fluxo abundante de fundos comunitários acabariam nos anos seguintes por reforçar a posição eleitoral dos dois partidos centristas e consolidar o próprio sistema partidário (Freire, 2003a). Estes factores contribuíram em larga medida para explicar a ausência das manifestações políticas associadas aos desenvolvimentos pós-industriais. Contudo, fruto do crescimento económico, da mudança geracional e da consolidação de fenómenos sociais que enfraqueceram os vínculos e lealdades partidárias, o final dos anos 90 e o início do séculoxxi trouxeram consigo uma maior penetração de valores pós-materialistas, indiciando uma inversão na tendência até então registada. De igual modo, algumas das transformações políticas que caracterizaram a Europa Ocidental nas décadas de 70 e 80, têm vindo nos últimos anos a sofrer as primeiras réplicas em Portugal (Jalali, 2007; Zúquete, 2007).
À esquerda, as causas e reivindicações que marcaram a emergência dos partidos Verdes na Europa Ocidental não despertaram nenhum intérprete político até final dos anos 90. Mais recentemente, a representação deste fenómeno tem vindo, ainda que de forma cautelosa, a ser atribuída ao Bloco de Esquerda (Jalali, 2007; Zúquete, 2007). Esta hesitação prende-se fundamentalmente com a singularidade do partido no contexto da emergência dos chamados partidos Verdes na Europa. Enquanto produto de uma aliança relativamente heterogénea de forças de extrema-esquerda (Jalali, 2007, p. 98) em 1999, o Bloco não nasceu de uma raiz libertária. Por outro lado, o seu percurso nos primeiros anos mostrou que, quer ao nível dos quadros políticos, quer em termos programáticos, o partido não se afastou substancialmente do legado das forças políticas que estiveram na sua origem. No entanto, apesar desta singularidade, a apropriação dos temas que definem a agenda pós-industrial por parte do Bloco de Esquerda permitiu-lhe alargar de forma significativa a base de apoio dos partidos que estiveram na sua génese. Ao mesmo tempo, a forte adesão que recolheu junto do eleitorado jovem sobretudo entre os jovens mais secularizados, com maiores níveis de instrução e residentes nos grandes centros urbanos permitiu-lhe aceder às esferas de representação e assim consolidar-se no sistema partidário português (Freire, 2003a).
À direita, o peso da memória colectiva e as cicatrizes do período revolucionário continuam a exercer um constrangimento fortíssimo ao aparecimento de novas forças políticas à direita do Centro Democrático Social (CDS). Porém, as convulsões políticas decorrentes da mudança de valores não foram em Portugal um exclusivo da esquerda. No início da década de 90, em reacção ao esvaziamento político imposto pelos executivos de Cavaco Silva à direita, o CDS, renomeado Partido Popular em 1993, introduziu na agenda política alguns dos temas que caracterizaram a viragem conservadora na década de 80 (Pinto, 1996). Com recurso a um estilo populista (Jalali, 2007), a liderança de Manuel Monteiro levou ao debate público questões como a segurança, o reforço da protecção social para cidadãos nacionais, ou a primazia da independência nacional face aos projectos supranacionais. A politização destes temas associou também o nome do partido à defesa de leis de imigração mais restritivas, políticas de segurança mais severas, e ainda à adopção de uma postura eurocéptica, que levou mesmo à sua expulsão do Partido Popular Europeu, em 1993.
Por outro lado, embora já no início dos anos 80, sob a direcção de Lucas Pires, o CDS tenha experimentado uma efémera deriva liberal (Robinson, 1996), o reforço da iniciativa privada e a redução do peso do Estado na economia regressaram igualmente ao discurso do partido no consulado de Manuel Monteiro. Estas posições e a consequente radicalização do debate político contribuíram para o auspicioso desempenho eleitoral do CDS-PP em 1995, quando o partido se posicionou como terceira força nacional (Pinto, 1996). Mais tarde, já sob a liderança de Paulo Portas, a integração do CDS-PP na coligação governamental saída das eleições legislativas de 2002 levaria o partido a moderar o seu discurso nacionalista e securitário, bem como a realinhar o seu posicionamento europeísta. Esta trajectória centrípeta acabou por não ser acompanhada pela emergência de uma força política com expressão eleitoral à direita do CDS-PP. No entanto, a reacção autoritária à mudança de valores na Europa Ocidental não deixou de ter os seus intérpretes em Portugal.
O Partido Nacional Renovador
Com a transição desencadeada pela Revolução do 25 de Abril de 1974, a extrema-direita em Portugal enfrentou um contexto extraordinariamente adverso, que a remeteu para uma posição marginal na cena política portuguesa (Gallagher, 1992; Pinto, 1995; Davis, 1998; Zúquete, 2007). Despida de um projecto político após o fracasso histórico da proposta integracionista e de uma nação euro-africana (Pinto, 1996, p. 246), os herdeiros da mitologia fascista acomodaram-se ao novo elenco partidário ou afastaram-se em definitivo da arena política. A partir da década de 80, com a elite intelectual da extrema-direita distante do universo associativo remanescente, surgiram no país as primeiras manifestações de um novo paradigma nacionalista, associadas a um conjunto de pequenas organizações juvenis. Carentes de referências ideológicas no tecido nacional, as novas gerações de activistas começam neste período a absorver influências e a assimilar o discurso de organizações estrangeiras.
A ruptura doutrinária em relação ao nacionalismo universalista e à sua tradição multirracial seria assinalada pelo Movimento de Acção Nacional, fundado em 1985 por um grupo de jovens oriundos da cintura suburbana de Lisboa. Apesar de uma instável base militante e da sua efémera existência, esta organização foi percursora em Portugal do discurso exclusivista que incubou a terceira vaga de partidos nacionalistas na Europa Ocidental. Inicialmente disfarçado por uma roupagem skinhead e um tom racialista, este discurso introduziu em Portugal os primeiros indícios de um nacionalismo de recorte etnocêntrico. Das fileiras do Movimento de Acção Nacional saíram também alguns dos principais rostos da nova extrema-direita portuguesa, que a partir de meados da década seguinte iriam ter um papel determinante na edificação do Partido Nacional Renovador, na definição da sua identidade política, e na gradual aproximação do partido aos seus principais congéneres europeus.
Salazaristas vs. Europeístas
Em meados dos anos 90, já portadora de um discurso exclusivista mais refinado, a geração saída do Movimento de Acção Nacional e de outras estruturas organizativas do mesmo período4, procurou capitalizar a mobilização juvenil da década anterior ao serviço de uma estrutura política mais robusta. Neste grupo reúnem-se nomes como Bruno Oliveira Santos, José Luís Paulo Henriques, José Pinto-Coelho e Paulo Rodrigues, partilhando não apenas uma trajectória associativa, como também uma consciência europeísta, moldada pelas crescentes ligações a movimentos de extrema-direita no velho continente. Os esforços para contrariar a aridez organizativa da direita radical e para a recolocar no espectro partidário são nesta fase partilhados com outras sensibilidades da área nacionalista.
A principal corrente é formada por figuras afectas ao anterior regime e é liderada por António Cruz Rodrigues, histórico salazarista e figura incontornável das hostes nacionalistas em Portugal. Ligado ao Centro de Estudos Sociais Vector no princípio da década de 70, Cruz Rodrigues associa-se às primeiras manifestações partidárias da direita radical nos anos da transição, integrando o Movimento Popular Português, em 1974, e participando já em 1976 na refundação do Partido da Democracia Cristã. No início dos anos 90, surge à frente do Núcleo de Estudos Oliveira Salazar e em 1995 parte da sua iniciativa a criação da Aliança Nacional, organização sedeada nas instalações da editora Nova Arrancada. Através desta plataforma, Cruz Rodrigues propôs-se reanimar alguns dos antigos projectos partidários na área católica-tradicionalista do pós-25 de Abril. A convergência de interesses com a linha saudosista levará os principais nomes da geração pós-industrial a aderir à Aliança Nacional.
A tentativa de criar um partido político a partir da Aliança Nacional conhece dois capítulos distintos. Numa primeira fase, entre 1997 e 1998, os seus dirigentes procuram reunir o limite de assinaturas legalmente imposto para a constituição de uma força política de raiz. O fracasso das primeiras iniciativas levou os responsáveis da Aliança Nacional a estabelecerem contactos e a procurarem unir esforços com grupos nacionalistas radicados no Norte do país. As diligências movidas revelaram-se novamente infrutíferas e, face à manifesta incapacidade de erguer um novo partido pela via institucional, os responsáveis da Aliança Nacional traçaram em 1999 uma estratégia alternativa. Contornando as exigências legais à constituição de partidos, esta estratégia consistiu na tomada de uma força política existente o Partido Renovador Democrático através da inserção de quadros da Aliança Nacional nos seus órgãos directivos e de uma ulterior conversão estatutária.
Criado em 1985 sob o patrocínio do presidente da República Ramalho Eanes, o PRD colheu algum sucesso na sua fase inicial e desempenhou mesmo um papel determinante na obtenção da primeira maioria absoluta do PSD, nas eleições legislativas de 1987. Com a década de 90 chegaria um período de declínio continuado, que conduziu o partido a um estado vegetativo aquando das primeiras abordagens da Aliança Nacional. Nesta fase, a liderança do PRD estava nas mãos de Manuel Vargas Loureiro, cujo isolamento espelhava o próprio estado de decomposição em que o partido se encontrava. As conversações com Vargas Loureiro tiveram lugar na sede da Nova Arrancada e a condução do processo pertenceu desde início a José Luís Paulo Henriques, director executivo da editora e antigo rosto máximo do Movimento de Acção Nacional. Defensor de uma aproximação ao Partido da Democracia Cristã, Cruz Rodrigues permaneceu à margem dos contactos preliminares.
Não deixando de suscitar pontuais resistências entre militantes do PRD, o processo seria concretizado na Convenção Nacional do partido, a 13 de Novembro de 1999. Em função do papel da Aliança Nacional enquanto base logística das negociações e sobretudo devido ao seu estatuto político, a liderança foi entregue a Cruz Rodrigues. A composição da nova estrutura correspondeu, de resto, a uma quase transposição dos órgãos directivos da Aliança Nacional e nela seria já visível a presença dominante da facção soberanista e europeísta. A nova face do partido seria formalizada a 12 de Abril de 2000, com a aprovação do requerimento interposto ao Tribunal Constitucional para alteração dos estatutos, nome e símbolo. Concluído o processo, foi igualmente anunciado pela nova direcção o objectivo de colocar o agora Partido Nacional Renovador nos boletins de voto, concretizando assim as aspirações da direita nacionalista portuguesa e preenchendo um espaço órfão de representação partidária em Portugal.
Na sua primeira contenda eleitoral as eleições autárquicas de 2001 o PNR apresentou-se apenas nos concelhos de Lisboa e Mafra, onde obteve um total de 877 votos. A este resultado não foram alheios factores como a pesada herança financeira herdada do PRD e sobretudo o quadro de relativo anonimato em que o partido concorreu a este acto eleitoral. Não obstante ter despertado algumas reacções negativas em forças políticas de esquerda, o PNR foi nos primeiros anos uma formação manifestamente desconhecida para uma larga maioria da sociedade portuguesa. Por outro lado, uma vez alcançado o objectivo que unira os vários sectores da direita radical na segunda metade da década de 90, a convivência entre as correntes fundadoras do partido entrou inevitavelmente numa nova etapa, de cuja definição dependiam as ambições e o próprio posicionamento do PNR na democracia portuguesa.
A clivagem geracional e as divergências de ordem estratégica entre estas duas linhas adquiriram novos contornos na 1.ª Convenção Nacional do PNR, em Janeiro de 2002, ano em que a sede do partido deixou simbolicamente as instalações da Nova Arrancada e se transferiu para a Rua da Prata, no coração da cidade de Lisboa. Em vésperas da primeira participação do PNR em eleições legislativas, em que o partido recolheu 4712 votos5, a Convenção de 2002 trouxe para a presidência da Comissão Directiva Paulo Rodrigues. A presença na sua direcção de militantes próximos de Cruz Rodrigues prometia suavizar as diferenças entre as duas sensibilidades dominantes. Contudo, o encontro acabaria por ser controverso e a constituição de uma lista de última hora encabeçada por Cruz Rodrigues acabou por ditar o seu afastamento dos órgãos do PNR. Nos anos posteriores, as relações entre o antigo rosto máximo da Aliança Nacional e o partido deterioraram-se de forma irreversível, com consequências, inclusivamente, ao nível judicial.
O afastamento definitivo da ala salazarista e o apagamento dos últimos vestígios do paradigma nacionalista tradicional seriam consumados em 2005, na sequência da 2.ª Convenção Nacional do PNR e da eleição de José Pinto-Coelho para a liderança do partido. Com um percurso intermitente, Pinto-Coelho iniciou a sua actividade política nas fileiras do Movimento Nacionalista, em 1980, colaborando em diferentes manifestações da direita radical portuguesa nesse período, entre elas o Movimento Independente para a Reconstrução Nacional e a Ordem Nova. Em 1997, adere à Aliança Nacional para três anos mais tarde participar na fundação do PNR. A sua chegada à liderança do partido, em 2005, irá marcar uma ruptura no estilo de liderança e nas opções estratégicas das anteriores direcções, em linha com as transformações operadas nas últimas décadas pelos seus principais congéneres europeus. Estas mudanças tiveram repercussões a nível interno, particularmente através de uma reestruturação profunda dos quadros directivos do PNR, mas foi sobretudo para o exterior que as novas orientações se direccionaram.
Da rua da Prata ao Marquês de Pombal
Muito embora as ligações com movimentos europeus sejam anteriores ao nascimento do partido, com a entrada do PNR no mapa político os seus dirigentes esboçaram também os primeiros contactos institucionais além-fronteiras. Procurando obter desde cedo o reconhecimento de outros partidos de extrema-direita e a cobertura de organizações transnacionais, o partido alinhou em plataformas interpartidárias, entre as quais a Frente Nacional Europeia. No entanto, foi sobretudo no plano bilateral, ou através de redes informais de militantes, que os primeiros contactos foram encetados.
Entre as ligações estabelecidas pelo PNR, a Front National francesa constituiu desde cedo um parceiro privilegiado. Da formação de Jean-Marie Le Pen, os novos rostos da extrema-direita em Portugal receberam a inspiração para a sua insígnia, bem como um conjunto de rituais ensaiados ao longo de duas décadas de acção política. Foi também com base no exemplo da direita radical francesa que a partir de 2005 o PNR redefiniu a sua orientação estratégica. Estimulada pelo resultado das eleições legislativas desse ano, em que o partido registou um acréscimo substancial face ao resultado de 2002, obtendo 9374 votos6, a nova Comissão Directiva inaugurou uma campanha pública destinada a colocar o PNR na agenda mediática. Caracterizada por um hiperactivismo comunicacional (Zúquete, 2007), uma forte dinâmica organizativa e um tom deliberadamente provocatório, esta campanha proporcionou à direita radical portuguesa um período de excepcional projecção entre 2005 e 2007.
Do Atlântico aos Urais
Embora em sintonia estratégica com o partido, as primeiras iniciativas com relevo nos órgãos de comunicação partiram de movimentos políticos de extrema-direita, em particular a Frente Nacional, organização criada em 2005. Reproduzindo uma iniciativa semelhante da Frente Nacional Europeia, a direita radical portuguesa saiu pela primeira vez às ruas de Lisboa em Fevereiro de 2005, num desfile contra uma eventual adesão da Turquia à União Europeia. Esta posição, aparentemente contraditória com a hostilidade demonstrada pelos nacionalistas portugueses em relação à proposta de integração representada pela União Europeia e o seu alegado pendor federalista, reflectiu não apenas a crescente ligação ao tecido associativo europeu, mas sobretudo uma concepção pan-europeísta, profundamente enraizada na cultura política da extrema-direita pós-industrial.
Em contraste com os anos da Guerra Fria, em que a sombra do comunismo levou a um alinhamento pró-americano por parte das direitas radicais europeias, o nacionalismo contemporâneo recuperou o mito de uma Europa do Atlântico aos Urais. Esta Europa, entendida como uma aliança de nações integralmente soberanas, assenta fundamentalmente no reconhecimento de uma herança civilizacional comum e numa matriz de valores ocidental. Assim, embora rejeitando a integração política do país em estruturas supranacionais ou quaisquer formas de governação que colidam com o primado da inviolabilidade da soberania (Partido Nacional Renovador, 2005), a nova extrema-direita no velho continente, incluindo os seus interlocutores em Portugal, não deixou de se posicionar no debate sobre as fronteiras da Europa, reclamando a existência de um espaço identitário de natureza etnocultural.
A distinção entre uma Europa cultural e uma Europa institucional é igualmente visível na doutrina económica do partido. Apesar de as questões relacionadas com o funcionamento do mercado e com o papel do Estado na economia ocuparem uma posição relativamente secundária no seu programa, o PNR apresenta uma visão soberanista sobre a integração económica no espaço europeu. De acordo com esta linha, o partido opõem-se à adopção da moeda única e a formas de integração tendentes à unificação de mercados, contrastando assim com os princípios inscritos no Tratado de Maastricht. Ao invés, o PNR defende a necessidade de intensificar as relações comerciais com os povos europeus, através de prerrogativas como a abolição de barreiras alfandegárias, sem colidir com o princípio da soberania das nações.
Nas fronteiras do sistema
A manifestação contra a adesão da Turquia ao bloco europeu, sem particular relevo no plano doméstico, visou fundamentalmente enviar um sinal de vitalidade aos seus parceiros europeus. Desde então, as forças vivas da direita radical portuguesa apontaram baterias à agenda política nacional. Coincidindo com um protesto convocado por forças policiais em Junho de 2005, a extrema-direita irrompeu novamente nos palcos mediáticos através de uma manifestação contra a criminalidade. A necessidade de reforço dos meios de repressão e a dignificação da classe profissional dos polícias fizeram os títulos na imprensa, mas o discurso securitário e autoritarista expôs um outro elemento transversal da nova linhagem europeia de extrema-direita. Inicialmente no discurso dos seus dirigentes e, mais tarde, no próprio programa oficial do PNR, o partido procurou afirmar o primado da segurança sobre a liberdade, através de uma retórica populista contra o sistema político e contra os próprios fundamentos da democracia participativa.
O conceito de partido anti-sistema descreve as forças políticas que não partilham os valores fundamentais da ordem política na qual se inserem regime democrático posicionando-se nas suas fronteiras e procurando minar a sua legitimidade (Sartori, 1976). A rejeição dos valores, procedimentos e instituições fundamentais da democracia constitucional, frequentemente acompanhada por uma narrativa de cariz populista, tem sido apontada como um pilar estruturante da matriz doutrinária das principais manifestações da extrema-direita pós-industrial (Betz, 1994; Ignazi, 2003; Carter, 2005; Ivarsflaten, 2005).
Embora as contingências do xadrez democrático e o risco de estigmatização levem frequentemente o PNR a camuflar uma cultura política anti-liberal, o partido concebe o sistema como uma entidade omnipresente na vida política (Zúquete, 2007). Uma entidade composta por uma suposta elite cultural de esquerda, pela comunicação social e sobretudo pelos partidos da esfera parlamentar (Marchi, 2010). Através de uma retórica populista e maniqueísta, estas forças são descritas como o produto de uma dinâmica gerada pela globalização, que promove o multiculturalismo e o capitalismo, eliminando a especificidade das nações soberanas. Ao atingir as raízes do sistema partidário e do próprio regime democrático, o discurso do PNR procura assim explorar a insatisfação crescente do eleitorado português face à qualidade da democracia, potenciando, em particular, uma imagem muito negativa deste sobre a classe política (Freire, 2003b; Magalhães, 2005).
Esta relação sinuosa com o regime democrático é igualmente visível no seu discurso anti-abrilista. Nos textos emanados do partido, o diagnóstico negativo da situação do país é atribuído a três décadas de corrupção praticada por uma classe política inepta e irresponsável (Partido Nacional Renovador, 2008). Por outro lado, embora os documentos oficiais não contenham interpretações nostálgicas ou saudosistas do Estado Novo, os depoimentos públicos dos seus dirigentes contrariam muitas vezes a posição oficial, assumindo um tom revanchista e enaltecendo os méritos do regime salazarista (Marchi, 2010).
Um novo paradigma nacionalista
O PNR associou-se às primeiras demonstrações públicas organizadas pela Frente Nacional em 2005, mas só a partir de Setembro desse ano viria a assumir o papel de agente polarizador do activismo de extrema-direita em Portugal. A sua primeira iniciativa pública passou pela convocação de uma manifestação contra a adopção de crianças por casais homossexuais, a pedofilia e aquilo que designou por lobby gay. Com este evento, o partido procurou de forma explícita difundir uma marca tradicionalista, exaltando a importância da família nuclear enquanto célula básica da comunidade, na formação de uma sucessão de gerações ligadas hereditariamente (Partido Nacional Renovador, 2008) e no equilíbrio demográfico da nação.
A sucessão de eventos públicos com a chancela do PNR estendeu-se até Maio de 2006, data de uma acção de protesto em Vila de Rei contra um projecto autárquico destinado à fixação de imigrantes. Em Janeiro do mesmo ano, uma outra concentração havia evocado a memória de emigrantes portugueses assassinados na África do Sul, com recurso à colocação de mais de três centenas de cruzes na Alameda Afonso Henriques, em Lisboa. Esta acção procurou recriar o efeito estético das demonstrações convocadas pela extrema-direita alemã para assinalar o bombardeamento da cidade de Dresden durante a Segunda Guerra Mundial. Já em Abril de 2007, a campanha do PNR conheceu o seu ponto alto com a colocação de um cartaz contra a imigração na Praça do Marquês de Pombal que, inspirado por um polémico cartaz do Schweizerische Volkspartei-Union na Suíça, arremessou definitivamente o partido para os holofotes mediáticos.
Os modelos utilizados, incluindo o protagonismo atribuído a José Pinto-Coelho enquanto rosto máximo do partido (Zúquete, 2007; Marchi, 2010), expuseram uma vez mais a ligação entre os nacionalistas portugueses e as principais forças de extrema-direita no velho continente. A mensagem empunhou o grande estandarte político do PNR e dos movimentos políticos na sua órbita. A par de uma vocação pan-europeísta e de uma postura anti-sistema, a exaltação de uma comunidade nacional étnica e culturalmente homogénea, assim como a orientação exclusivista que lhe está implícita, constituem o elemento nuclear da matriz ideológica do partido e da nova direita radical portuguesa.
Na Europa Ocidental, as concepções exclusivistas têm sofrido mutações ao longo da história, sendo possível distinguir três paradigmas de referência. Uma primeira concepção menos restritiva deriva do jacobinismo francês, ao estabelecer como critério de pertença a assimilação cultural do elemento exterior à comunidade. O modelo jacobino está hoje profundamente enraizado no discurso da Front National, que imputa aos imigrantes, sobretudo os de origem árabe, uma incapacidade ou recusa em assimilarem os elementos distintivos da matriz cultural francesa. Um segundo modelo emerge da tradição política alemã, em que a cidadania emana fundamentalmente da descendência e do vínculo sanguíneo. Este modelo é passível de sustentar uma retórica anti-imigração com base em critérios xenófobos e racistas, muito embora o legado do nazismo constitua no presente um estigma fortíssimo à legitimação de políticas exclusivistas. Uma terceira concepção exclusivista é inspirada no modelo britânico, em que o mosaico nacional do seu império colonial deslegitimou historicamente a construção de um discurso exclusivista e favoreceu a consolidação de uma sociedade multinacional e multicultural (Eatwell, 2003).
À semelhança do paradigma britânico, também o nacionalismo português tradicional foi fundado em concepções multirraciais, intimamente associadas à defesa do espaço imperial e das possessões coloniais africanas (Pinto, 1994). Porém, com a descolonização e a derrocada dos alicerces doutrinários do nacionalismo universalista, os novos actores da direita radical portuguesa foram progressivamente abraçando as correntes exclusivistas que sopravam da Europa e amadurecendo um nacionalismo de base etnocêntrica. Assim, embora a sua linguagem resvale muitas vezes para um registo xenófobo e mesmo racialista, os fundamentos do novo paradigma nacionalista são sobretudo de natureza étnica. A nação é concebida não apenas como uma entidade cívica e territorial, cujos membros estão sujeitos a um mesmo conjunto de leis e instituições, mas sobretudo enquanto comunidade herdeira de um legado cultural formado no decorrer da história, que prevalece sobre o indivíduo e lhe é transmitido por via da descendência. O partido aspira assim à sobreposição entre etnia, enquanto unidade cultural, e Estado, enquanto unidade política, através de políticas activas de homogeneização étnica, nomeadamente a repatriação de imigrantes, a restrição do direito de asilo ou a supressão do reagrupamento familiar.
Com base nestes pressupostos, o PNR opõem-se igualmente à Lei da Nacionalidade em vigor desde 2006, que reforçou a aquisição da nacionalidade portuguesa por via do direito de terra jus soli em paralelo com o direito de sangue jus sanguinis. Ao mesmo tempo, o partido procura legitimar a ideia de uma competição injusta entre os membros da comunidade e as minorias étnicas no acesso ao mercado de trabalho, conotando as últimas com fenómenos como a delinquência ou a criminalidade. Neste particular, as comunidades provenientes de países africanos de expressão portuguesa, maioritariamente fixadas na área metropolitana de Lisboa, têm sido o alvo preferencial de ataque no discurso anti-imigração do PNR.
Radicalização e desmobilização
Além de uma crescente afinidade com os seus congéneres europeus, a campanha mediática do PNR deixou também a descoberto uma ligação estreita com o universo associativo da extrema-direita, assim como uma forte cumplicidade com o movimento skinhead em Portugal. O activismo skinhead em Portugal tem raízes na segunda metade dos anos 80 e, como ilustrado no passado pelo Movimento de Acção Nacional, evidenciou sempre algum antagonismo em relação a estruturas políticas organizadas e uma maior propensão para organizações secretas de base supranacional. Em 1995, à medida que as ligações entre claques de futebol e grupos neonazis se estreitavam, um episódio de violência largamente documentado nos órgãos de comunicação levaria à morte de Alcino Monteiro, cidadão português de origem cabo-verdiana. Do mesmo episódio, resultaria ainda a condenação de um grupo de skinheads, entre os quais se contava Mário Machado, o mais influente activista de extrema-direita em Portugal. Nesse período, foram também intensificados os contactos além-fronteiras, que levariam à criação da célula portuguesa da Irmandade Ariana, em meados da década de 90, e culminariam anos mais tarde com o nascimento da secção portuguesa da Hammerskin Nation uma das mais representativas congregações internacionais e da Frente Nacional (Salas, 2007).
Este processo, decisivo para a mobilização da extrema-direita portuguesa entre 2005 e 2007, contou ainda com apoio de novos métodos de comunicação e difusão. A internet revestiu-se de uma importância capital, ao permitir a importação de estratégias utilizadas noutros países e o contacto entre bolsas de militantes territorialmente dispersas. O sítio de divulgação Fórum Nacional, lançado em Abril de 2004, tornou-se neste período o mais importante veículo de comunicação para a direita radical portuguesa. Em paralelo com a Frente Nacional, este espaço constituiu uma autêntica agência de mobilização para acções de campanha incluindo as iniciativas do próprio PNR eventos culturais e encontros com a presença de figuras de referência no panorama internacional. Contudo, ao contrário de Espanha, onde a actividade dos grupos mais radicais se tem vindo a subordinar às orientações dos partidos de extrema-direita, o caso português denotou uma aparente ausência de controlo da estrutura partidária sobre os núcleos skinhead (Salas, 2007). Esta situação foi ilustrada de forma particularmente simbólica pelas dificuldades de implantação da Juventude Nacionalista, secção juvenil do PNR.
A Juventude Nacionalista nasceu de um compromisso de José Pinto-Coelho aquando da sua eleição para a liderança do partido em 2005, com o objectivo de enquadrar a militância juvenil numa estrutura tutelada pela Comissão Directiva. À semelhança de outras juventudes partidárias em Portugal, a criação do sector juvenil do PNR visou sobretudo cumprir um papel de mobilização e reproduzir a mensagem do partido para as camadas mais jovens da sociedade. Actuando enquanto plataforma de recrutamento e propaganda, o seu dispositivo foi sobretudo vocacionado para escolas secundárias e universidades. No entanto, a função aglutinadora que a Juventude Nacionalista procurou desempenhar foi desde cedo eclipsada pela hegemonia que a Frente Nacional já detinha sobre os fenómenos de militância juvenil. Ao mesmo tempo, consciente de que só a capacidade mobilizadora dos grupos skinhead poderia emprestar aos desfiles do partido uma dimensão capaz de atrair as atenções da imprensa, o PNR delegou de uma forma tácita o papel de agente dinamizador na Frente Nacional e acomodou-se ao estatuto de braço político da mesma. Cultivando esta relação de complementaridade, o partido contribuiu assim para a afirmação da Frente Nacional e o esvaziamento funcional da sua própria organização de juventude.
Por outro lado, ao acolher nas suas fileiras e lançar nos seus cortejos os grupos mais radicais, o PNR procurou manifestamente explorar o apetite da comunicação social pelos comportamentos dos seus jovens activistas, portadores de uma coreografia inspirada nas ideologias fascista e nacional-socialista. Estes comportamentos, além de afastarem sectores nacionalistas mais moderados, acabariam por ser imputados ao próprio partido e torná-lo objecto de uma cobertura hostil e alarmista por parte da comunicação social, que secundarizou a sua mensagem política e corroeu as suas credenciais democráticas.
Considerada pelas autoridades judiciais como uma ameaça à segurança interna, a actividade dos grupos mais radicais tornou-se objecto de investigações a partir de 2004. Desde essa data, o processo adquiriu uma grande magnitude e mobilizou diferentes órgãos de polícia criminal. Na sua fase final, em Abril de 2007, as diligências movidas pelas autoridades incluíram rusgas domiciliárias e buscas à própria sede do partido, produzindo um significativo número de acusações e detenções. Em paralelo com o efeito de deslegitimação gerado por uma cobertura mediática adversa, estas diligências deixaram sequelas profundas para o PNR. Por um lado, as baixas provocadas nas fileiras do movimento Skinhead pela detenção de influentes activistas reduziram substancialmente a sua capacidade de mobilização, atestando uma vez mais a importância da Frente Nacional na escalada mediática do partido. Por outro, as acções levadas a cabo pela Polícia Judiciária contribuíram fortemente para a inibição de importantes quadros da sua já escassa base militante, comprometendo de modo irreversível a dinâmica organizativa do PNR.
O PNR na democracia portuguesa
Apresentado na Convenção Nacional de 2005 e inscrito na Moção de Estratégica da Comissão Política Nacional Continuar para Servir Portugal o Objectivo 2009 foi o desígnio estratégico que orientou toda a acção política do PNR, apostado em conquistar representação parlamentar num horizonte temporal equivalente ao período de uma legislatura. Com esta estratégia, a direcção do partido pretendeu seguir uma vez mais o exemplo de outros partidos nacionalistas na Europa Ocidental, cujo exercício da representação política abriu caminho à legitimação, institucionalização e consolidação nos sistemas partidários.
Desde a conversão estatutária do PRD, que permitiu à direita nacionalista portuguesa recolocar-se no espectro partidário, o seu comportamento eleitoral foi testado em eleições autárquicas, legislativas e em eleições europeias. Não obstante uma ligeira tendência de crescimento, quer em termos do número de votos, quer ao nível da sua implantação territorial, o PNR permaneceu confinado a um nicho eleitoral restrito e as suas votações foram residuais. Neste aspecto, o desempenho do partido ficou assim aquém da dinâmica conseguida por outras forças de extrema-direita e longe do protagonismo conseguido pelos seus congéneres em países como França, Itália, Bélgica, Holanda ou Áustria.
A exposição mediática e as investigações judiciais movidas à actividade da extrema-direita portuguesa tiveram um impacto inegável na desmobilização do partido. Porém, se a redefinição estratégica do PNR a partir de 2007 se deveu sobretudo a factores de ordem conjuntural, a sua afirmação no plano eleitoral e mesmo a sua penetração no sistema parlamentar estiveram desde sempre condicionadas por um conjunto de obstáculos de natureza estrutural. A segregação política da direita radical portuguesa, em geral, e o insucesso eleitoral do PNR, em particular, são hoje ditados essencialmente por factores de ordem institucional, cultural e histórica. Estes factores diferenciam o caso português de outras democracias europeias e tornam improvável a erupção de uma força nacional-populista à direita do arco parlamentar.
Desempenho eleitoral do PNR entre 2000 e 2009
A natureza dos sistemas eleitorais tem sido apontada na literatura científica como uma condicionante institucional ao crescimento e consolidação da nova linhagem europeia de extrema-direita (Kitschelt, 1997; Eatwell, 2003; Ignazi, 2003). Os sistemas proporcionais com limiares de representação baixos tendem a favorecer os partidos com menor expressão eleitoral e, nesse sentido, oferecem aos partidos da direita radical maiores possibilidades de incursão nos sistemas parlamentares. Este factor foi determinante para a afirmação da direita radical em alguns países do velho continente, em particular no caso francês. Para a Front National, o exercício da representação política foi em larga medida possibilitado pelo recurso a limiares de representação parlamentar excepcionalmente baixos. Em Portugal, apesar da vigência do sistema de representação proporcional, o método de conversão de votos em mandatos o método dHondt é, entre aqueles utilizados nas democracias ocidentais, um dos menos permissivos à infiltração de pequenos partidos. Nesse sentido, apenas uma escalada eleitoral sem paralelo no repertório da extrema-direita poderia levar o PNR ao Parlamento português (Zúquete, 2007).
No que respeita a factores de génese cultural, os níveis de satisfação dos eleitores face à qualidade das democracias têm estado intimamente relacionados com a pujança das forças anti-sistema na Europa Ocidental (Knigge, 1998; Eatwell, 2003; Ignazi, 2003). No caso português, os estudos conduzidos nos últimos anos indicam que os níveis de satisfação face ao desempenho da democracia e das suas instituições mais emblemáticas apresentam uma tendência decrescente. Entre os países da União Europeia, Portugal experimentou mesmo o mais pronunciado declínio desde a década de 80. Estes valores denunciam uma atitude de alienação dos eleitores e também um elevado distanciamento entre os cidadãos e o poder político (Freire, 2003b; Magalhães 2005), que poderia ser favorável ao crescimento de um partido de extrema-direita. Porém, não obstante os sinais de descontentamento em relação à qualidade da democracia, a adesão dos eleitores aos seus princípios básicos e ao exercício do voto, enquanto instrumento de legitimação do regime, registam níveis invariavelmente elevados em Portugal. Simultaneamente, a oposição ao sistema democrático apresenta uma expressão residual no caso português, tendo sobretudo por base a defesa de mecanismos de participação menos elitistas, em detrimento de formas de governação autoritária (Freire, 2003b; Magalhães, 2005).
Sinal idêntico é oferecido pela tendência da abstenção nas últimas décadas. Ao contrário dos anos da transição, marcados por uma fortíssima mobilização cívica, os baixos níveis de participação verificados na actualidade sugerem que as atitudes de protesto tendem, na democracia portuguesa, a ser canalizadas para mecanismos de participação política extra-eleitoral, menos institucionalizados e mediados pelos partidos (Freire, 2003b). Quando convertidas no voto, estas atitudes incidem preferencialmente sobre eleições de segunda ordem, cujo desfecho tem um impacto menor no funcionamento dos sistemas políticos, o que tende a resfriar o voto útil e a favorecer o desempenho dos pequenos partidos. Na Europa Ocidental, a descolagem da extrema-direita a partir do final da década de 70 aconteceu sobretudo em eleições de segunda ordem, designadamente eleições locais e eleições para o Parlamento europeu. Nas últimas legislaturas, um número crescente de forças nacionalistas animou os trabalhos deste órgão, que ofereceu um palco privilegiado para a sua afirmação política e também um laboratório para as suas experiências de agregação.
No caso da direita radical portuguesa, a dinâmica do PNR em eleições de segunda ordem não tem sofrido oscilações significativas. Dado o reduzido número de concelhos em que o partido figurou nos boletins de voto em eleições autárquicas, esta conclusão emerge fundamentalmente do seu resultado nas eleições europeias de 2004 e sobretudo de 2009, ano em que as europeias precederam as eleições para a Assembleia da República. Contrariando as elevadas expectativas depositadas pelos seus dirigentes neste acto eleitoral (Marchi, 2010), a prestação europeia do PNR em 2009 não se diferenciou substancialmente do registo obtido nas eleições legislativas do mesmo ano. Além disso, a sua votação nas europeias beneficiou ainda do sistema do círculo nacional único, enquanto em termos nacionais o PNR não apresentou listas em todos os círculos. Nesse sentido, e à semelhança de outros partidos com menor expressão, o PNR parece assim não ter captado o voto de protesto do eleitorado português.
Por fim, além dos obstáculos de natureza institucional e cultural, a marginalização do PNR é também determinada por inibidores históricos. Convertido em norma constitucional desde 1976 e concretizado dois anos mais tarde na lei relativa a organizações fascistas, o repúdio social pelo nacionalismo de extrema-direita incorporou desde cedo os fundamentos do actual regime, conferindo-lhe uma natureza defensiva. Esta estigmatização embargou qualquer movimento saudosista do anterior regime e deixou as diferentes manifestações da direita radical portuguesa a operar num quadro legal extremamente adverso. Mais de três décadas volvidas sobre a queda do Estado Novo, o peso do passado salazarista na memória colectiva continua assim a sujeitar o PNR a um escrutínio permanente sobre as suas credenciais democráticas. Ao contrário de outros partidos exclusivistas na Europa, que beneficiam de contextos menos restritivos, o partido é recorrentemente confrontado com o espectro da ilegalidade, que oferece múltiplas condicionantes à sua intervenção política. No caso português, este enquadramento continua a sobrepor-se à influência que factores como o aumento da imigração ou o cenário de crise económica poderiam exercer na emergência de um partido nacional-populista (Jalali, 2007; Zúquete, 2007) e é susceptível de perpetuar a marginalização da extrema-direita.
Conclusão
A infiltração em Portugal das correntes doutrinárias que na década de 80 estremeceram os alicerces das direitas europeias, implicou mudanças profundas para a extrema-direita portuguesa. Partindo de um discurso racialista e de estruturas associativas incipientes, os seus novos intérpretes foram consolidando uma identidade soberanista e uma consciência europeísta. Com a viragem do século, a geração pós-industrial uniu esforços com outras sensibilidades para recolocar a direita radical no espectro partidário através do Partido Nacional Renovador. Fruto de uma débil situação financeira, e sobretudo de recalcadas divisões entre as duas correntes dominantes, os primeiros anos revelaram uma dinâmica organizativa escassa. Com o gradual afastamento da ala salazarista e a intensificação dos contactos com as principais manifestações da nova família de extrema-direita no velho continente, o partido consolidou as feições etnocêntricas e aguçou uma retórica populista. Ao mesmo tempo, inspirada pela Front National de Jean-Marie Le Pen, a direcção de José Pinto-Coelho adoptou uma estratégia de comunicação que visou a inserção do PNR nos palcos mediáticos, como plataforma para a sua afirmação na frente eleitoral. Porém, se a exposição pública permitiu ao partido sair do anonimato e adquirir uma visibilidade nunca antes conseguida por uma força nacionalista, a proximidade aos grupos mais radicais acabou por produzir um efeito de deslegitimação e determinar a estagnação da sua actividade política. Por outro lado, a projecção alcançada pela direita radical entre 2005 e 2007 acabou por não alterar a dinâmica eleitoral do PNR e a sua própria dimensão enquanto partido. À semelhança das primeiras forças nacionalistas nos anos da transição, o PNR permaneceu assim confinado a uma posição marginal na democracia portuguesa.
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