José Sócrates responsabilizou-os pelo buraco no défice. Teixeira dos Santos falou deles, diversas vezes, no preâmbulo do Orçamento do Estado, agora aprovado. Os submarinos entraram, de rompante, nas contas públicas. Com muitos zeros à direita. Mas onde esta história deveria entrar era num manual de defesa dos contribuintes. Que pagaram mais, por menos. E que são o elo mais fraco de uma negociação entre um gigante (o German Submarine Consortium, GSC), assessorado por advogados experientes e banqueiros argutos, e um Estado que, seguramente, podia ter feito mais para precaver os interesses de quem, no fim, custeia a nova coqueluche da Marinha portuguesa.
Tudo começou a 25 de novembro de 2003 O Governo, liderado por Durão Barroso, aprovou a proposta alemã, do GSC, de dois submarinos por 844 milhões. Depois, Paulo Portas, o ministro de Estado e da Defesa, negociou uma descida no preço, para 769, 3 milhões, prescindindo de parte do equipamento proposto. Esse foi o valor contratualizado. Mas só vigoraria até ao dia 1 de janeiro de 2004. No dia 21 de abril desse ano foi fechado o negócio. Já não pelos 769 324 800 euros, mas por um preço "actualizado" através de um mecanismo contratual. Quando Portas assinou o contrato, já custavam 820,7 milhões. Os dois submarinos U209PN fornecidos pelos alemães da MAN/Ferrostaal, Thyssen e estaleiros HDW, juntos no consórcio GSC, sofreram uma "atualização" diária do preço, mediante uma taxa de 3,5% anuais, sensivelmente 230 mil euros por dia, até que o acordo entrasse, de facto, em vigor. Só entrou no dia 24 de setembro. Cinco meses e 64 milhões de euros depois de ser assinado. Para se ter um termo de comparação: um hospital novo, de raiz, como o de Cascais, custou 100 milhões de euros.
Estranhamente, não havia no extenso contrato nenhuma cláusula que penalizasse, da mesma forma, o consórcio GSC. Nomeadamente uma norma que fizesse depender o pagamento dos submarinos do cumprimento das contrapartidas (no valor de 1 210 milhões de euros) que os alemães garantiram gerar, em Portugal, decorrentes da encomenda dos submarinos.
Há uma curiosidade. No dia 24 de setembro, quando o contrato entrou em vigor, o preço já estava nos 832 milhões, graças às "atualizações" previstas no anexo 14 do contrato. Muito perto do preço original, pedido pelos alemães - mas sem os "extras" que eram oferecidos, à partida...
A fórmula e o 'spread'
Um outro anexo, o 15, demora sete folhas e 12 fórmulas matemáticas para calcular o "preço final global" dos submarinos. Para se ter uma ideia, uma das fórmulas é esta: B1i=[Mi x (Dai - Di)/ 360 x (EuriborDi (Dai - Di) - 0,125%] x [1 + (Euriborj - 0,125%) x (Dj+l - Dj)/ 360].
E não se explica em poucas linhas. Digamos, apenas, que se trata de um dos muitos ajustamentos previstos ao preço final dos submarinos.
Complicado? Seguramente. As autoridades tiveram de recorrer à ajuda de quadros do sistema financeiro para decifrar estas fórmulas.
Já não estamos a falar, somente, de transparência legislativa ou de "juridiquês". Estamos a falar de um contrato que o Estado terá, na opinião de um conhecedor do processo, "muita dificuldade em monitorizar".
Para não falar do pagamento...
Quando quis comprar submarinos, o Estado português fez o que faria um jovem casal à procura da primeira casa. Foi ao banco. Contraiu uma espécie de empréstimo (chamado swap sintético). Os juros foram indexados à Euribor a seis meses com um spread (lucro bancário) normalmente praticado (à data, em 2004) para o crédito à habitação: 0,25 por cento.
A única diferença entre o Estado e um qualquer casal reside na aparente facilidade com que o banco aumenta o spread acordado sem que o caso vá parar à Deco.
Foi o que se passou, quando o concurso para o financiamento terminou. À data da apresentação de propostas, o Deutsche Bank pediu um spread de 0,26%, enquanto a proposta do Crédit Suisse First Boston International associado ao Banco Espírito Santo se ficava por 0,196 por cento. Ganhou a mais baixa. Mas uma "renegociação" posterior permitiu à aliança do CSFBI/BES um lucro real de 0,25%, na operação.
Este consórcio bancário garante aos portugueses do BES 25% da operação. E é a estes dois bancos, e não aos alemães do GSC, que o Estado português deve, agora, segundo o ministro Augusto Santos Silva, uma verba "ligeiramente acima dos €1000 milhões".
Logo em setembro de 2004, os submarinos começaram a ser pagos. A primeira tranche (ou "meta de progresso", como vem definida no contrato), foi de 197 232 604 euros.
Semestralmente, os bancos pagaram aos alemães, ao sabor das (grandes) oscilações da Euribor (cujos juros começaram pouco acima dos 2%, chegaram aos 5% e agora voltaram a descer para pouco mais de 1 por cento). Hoje, falta pagar uma pequena parcela de 19,2 milhões.
O que foi contratado, garante o atual ministro da Defesa, Santos Silva, "determinou que o pagamento dos submarinos ao consórcio fornecedor se verificasse ao longo do processo de construção". Agora, "com a entrega do segundo submarino", prevista para o primeiro trimestre de 2011, o Estado terá "que ressarcir o consórcio bancário dos pagamentos efetuados ao consórcio fornecedor, valor esse a que acresceriam os juros contratualizados".
Contas feitas, os juros (e o spread) representam cerca de 200 milhões de euros. Um valor próximo daquele que o Estado poupou ao cortar o abono de família a mais de um milhão de portugueses.
As 'armadilhas' dos contratos
1-Independentemente dos danos causados pelo incumprimento das contrapartidas, o consórcio alemão nunca pagará mais do que 10% do valor contratualizado. Esse limite de 10% está previsto mesmo que o incumprimento seja "por dolo ou negligência". Quer dizer que os alemães podem simplesmente decidir não executar as contrapartidas e só pagam 10% de penalização.
2 - Ao exigir a assinatura de um contrato de contrapartidas associado ao contrato de aquisição dos submarinos, o Estado português assumiu um aumento do preço final que pode ir até 15 por cento. Ora, com a cláusula penal de 10%, o valor que o consórcio pagaria pelo incumprimento seria sempre inferior ao aumento de preço que o Estado acordou em troca das contrapartidas.
3 - Está implícito nos contratos que o Estado Português pague a totalidade dos submarinos, mesmo antes de o contrato de contrapartidas ter sido executado integralmente.
4 - O contrato não inclui os custos de manutenção dos submarinos, ao longo do período de vida útil deste equipamento (cerca de 40 anos), o que, segundo especialistas, pode ascender a duas vezes a verba neles investida.
O Governo abdicou de recorrer aos tribunais em caso de litígio, aceitando que conflitos num negócio desta ordem de grandeza sejam dirimidos por simples arbitragem.
5 - O Governo abdicou de recorrer aos tribunais em caso de litígio, aceitando que conflitos num negócio desta ordem de grandeza sejam dirimidos por simples arbitragem.
O atraso milionário
Esta foi a primeira grande compra feita através de um "swap sintético". E por que razão? Uma, de peso: atrasar a entrada do custo nas contas do Estado. Em 2004, o Governo liderado por Durão Barroso, cuja ministra das Finanças era Manuela Ferreira Leite, escolheu a única opção que o Eurostat reconhecia válida para remeter esta despesa para o longínquo ano de... 2010.
Entre 2004 e 2010, o Estado autorizou o pagamento de 12 prestações (a última das quais em setembro passado) ao GSC, apesar do reconhecido incumprimento das contrapartidas acordadas. Apesar dos processos judiciais que envolvem altos dirigentes da Ferrostaal, na Alemanha. Apesar dos dois inquéritos que correm no Departamento Central de Investigação e Acção Penal sobre a compra dos submarinos e a alegada fraude na concretização das contrapartidas.
Augusto Santos Silva justifica a aparente inércia de quatro ministros da Defesa (Paulo Portas e os seus sucessores no cargo, os socialistas Luís Amado, Severiano Teixeira e o próprio Santos Silva): "Face ao modelo contratual adotado em 2004, o Estado Português tem o dever de cumprir na íntegra as obrigações contratualmente assumidas naquela data."
De facto, como vimos, não há nenhuma cláusula no contrato que assegure ao Estado português o direito de renúncia ao pagamento.
Santos Silva afirma que "o atual Governo garantirá, através de todos os mecanismos que lhe assistem, que o consórcio fornecedor cumpra igualmente as obrigações que assumiu, quer no contrato de aquisição quer no contrato de contrapartidas".
No entanto, não se pronuncia sobre um dos principais enigmas deste negócio.
Por que razão Paulo Portas assinou, em abril de 2004, um contrato que só seria homologado no dia 5 de agosto pela resolução 122/2004 do Conselho de Ministros? E por que motivo o fez, sabendo que, por cada dia, o Estado pagaria aos alemães da GSC mais de 230 mil euros?
O ex-ministro respondeu a um conjunto de perguntas da VISÃO, pedindo mais tempo para fundamentar as suas respostas. Como o prazo do líder do CDS não coincidia com o fecho da revista, adiantámos a nossa disponibilidade para, na próxima edição, publicar as suas respostas.
No passado, confrontado com esta "atualização" do preço dos submarinos, Paulo Portas justificou que se devia a um atraso de "largos meses" no processo de vistoria obrigatória do Tribunal de Contas (Correio da Manhã, 3 de abril de 2010).
Todavia, o Tribunal (TC), à VISÃO, esclarece que "o referido contrato deu entrada em 22 de junho de 2004 e foi devolvido ao Ministério da Defesa, para esclarecimentos, em 6 de julho, 29 de julho e 12 de agosto de 2004, tendo sido visado a 25 de agosto do mesmo ano".
O Tribunal demorou tanto tempo a visar o contrato como o ministro a enviar a documentação. Dois meses. Assinado em abril, só foi enviado ao TC em final de junho, e saiu, visado, em final de agosto. Demoraria mais um mês a entrar em vigor.
Começaria, então, a construção do Tridente e do Arpão. Um negócio que o advogado José Miguel Júdice considera ser "um caso exemplar de como as coisas não devem ser feitas". Júdice, que representou o consórcio francês derrotado na escolha do Governo, não se alonga muito mais sobre o assunto.
Hubert Kogel, porta-voz da Ferrostaal, recusa-se, mesmo, a prestar esclarecimentos: "Para já muito obrigado pelas suas perguntas. Mas peço-lhe que compreenda que em relação a isso não damos quaisquer indicações." O mesmo faz o BES, que alega "sigilo bancário".
No meio de tantos silêncios, documentos desaparecidos do Ministério da Defesa, fórmulas matemáticas rebuscadas e investigações judiciais, resta uma certeza. Os mais de mil milhões de euros que vão ser gastos no próximo ano.
Alemães ganham 64 milhões em nove meses
25 de novembro de 2003
Governo decide adjudicar contrato dos submarinos aos alemães. A proposta é de 844 milhões de euros por dois submarinos. Segue--se um processo negocial em que se reduz o preço para 769 milhões, mas retirando uns "extras" ao equipamento
1 de janeiro de 2004
O preço de referência é de 769 milhões de euros e a partir desse dia começa a ser aplicada a fórmula do anexo 14 do contrato que atualiza diariamente o preço dos submarinos a uma taxa de 3,5% anuais, até à entrada em vigor do contrato
24 de abril de 2004
É assinado o contrato de aquisição e o de contrapartidas. Nessa data, mediante a aplicação da fórmula do anexo 14, o valor dos submarinos já atinge os 820 milhões.
24 de setembro de 2004
Entra em vigor o contrato. O preço final dos submarinos é fixado em 833 milhões de euros. Em nove meses, o preço dos submarinos sofre um aumento superior a 8%, quase 64 milhões de euros. Nesse período, o aumento diário médio foi de 230 mil euros.
Tudo começou a 25 de novembro de 2003 O Governo, liderado por Durão Barroso, aprovou a proposta alemã, do GSC, de dois submarinos por 844 milhões. Depois, Paulo Portas, o ministro de Estado e da Defesa, negociou uma descida no preço, para 769, 3 milhões, prescindindo de parte do equipamento proposto. Esse foi o valor contratualizado. Mas só vigoraria até ao dia 1 de janeiro de 2004. No dia 21 de abril desse ano foi fechado o negócio. Já não pelos 769 324 800 euros, mas por um preço "actualizado" através de um mecanismo contratual. Quando Portas assinou o contrato, já custavam 820,7 milhões. Os dois submarinos U209PN fornecidos pelos alemães da MAN/Ferrostaal, Thyssen e estaleiros HDW, juntos no consórcio GSC, sofreram uma "atualização" diária do preço, mediante uma taxa de 3,5% anuais, sensivelmente 230 mil euros por dia, até que o acordo entrasse, de facto, em vigor. Só entrou no dia 24 de setembro. Cinco meses e 64 milhões de euros depois de ser assinado. Para se ter um termo de comparação: um hospital novo, de raiz, como o de Cascais, custou 100 milhões de euros.
Estranhamente, não havia no extenso contrato nenhuma cláusula que penalizasse, da mesma forma, o consórcio GSC. Nomeadamente uma norma que fizesse depender o pagamento dos submarinos do cumprimento das contrapartidas (no valor de 1 210 milhões de euros) que os alemães garantiram gerar, em Portugal, decorrentes da encomenda dos submarinos.
Há uma curiosidade. No dia 24 de setembro, quando o contrato entrou em vigor, o preço já estava nos 832 milhões, graças às "atualizações" previstas no anexo 14 do contrato. Muito perto do preço original, pedido pelos alemães - mas sem os "extras" que eram oferecidos, à partida...
A fórmula e o 'spread'
Um outro anexo, o 15, demora sete folhas e 12 fórmulas matemáticas para calcular o "preço final global" dos submarinos. Para se ter uma ideia, uma das fórmulas é esta: B1i=[Mi x (Dai - Di)/ 360 x (EuriborDi (Dai - Di) - 0,125%] x [1 + (Euriborj - 0,125%) x (Dj+l - Dj)/ 360].
E não se explica em poucas linhas. Digamos, apenas, que se trata de um dos muitos ajustamentos previstos ao preço final dos submarinos.
Complicado? Seguramente. As autoridades tiveram de recorrer à ajuda de quadros do sistema financeiro para decifrar estas fórmulas.
Já não estamos a falar, somente, de transparência legislativa ou de "juridiquês". Estamos a falar de um contrato que o Estado terá, na opinião de um conhecedor do processo, "muita dificuldade em monitorizar".
Para não falar do pagamento...
Quando quis comprar submarinos, o Estado português fez o que faria um jovem casal à procura da primeira casa. Foi ao banco. Contraiu uma espécie de empréstimo (chamado swap sintético). Os juros foram indexados à Euribor a seis meses com um spread (lucro bancário) normalmente praticado (à data, em 2004) para o crédito à habitação: 0,25 por cento.
A única diferença entre o Estado e um qualquer casal reside na aparente facilidade com que o banco aumenta o spread acordado sem que o caso vá parar à Deco.
Foi o que se passou, quando o concurso para o financiamento terminou. À data da apresentação de propostas, o Deutsche Bank pediu um spread de 0,26%, enquanto a proposta do Crédit Suisse First Boston International associado ao Banco Espírito Santo se ficava por 0,196 por cento. Ganhou a mais baixa. Mas uma "renegociação" posterior permitiu à aliança do CSFBI/BES um lucro real de 0,25%, na operação.
Este consórcio bancário garante aos portugueses do BES 25% da operação. E é a estes dois bancos, e não aos alemães do GSC, que o Estado português deve, agora, segundo o ministro Augusto Santos Silva, uma verba "ligeiramente acima dos €1000 milhões".
Logo em setembro de 2004, os submarinos começaram a ser pagos. A primeira tranche (ou "meta de progresso", como vem definida no contrato), foi de 197 232 604 euros.
Semestralmente, os bancos pagaram aos alemães, ao sabor das (grandes) oscilações da Euribor (cujos juros começaram pouco acima dos 2%, chegaram aos 5% e agora voltaram a descer para pouco mais de 1 por cento). Hoje, falta pagar uma pequena parcela de 19,2 milhões.
O que foi contratado, garante o atual ministro da Defesa, Santos Silva, "determinou que o pagamento dos submarinos ao consórcio fornecedor se verificasse ao longo do processo de construção". Agora, "com a entrega do segundo submarino", prevista para o primeiro trimestre de 2011, o Estado terá "que ressarcir o consórcio bancário dos pagamentos efetuados ao consórcio fornecedor, valor esse a que acresceriam os juros contratualizados".
Contas feitas, os juros (e o spread) representam cerca de 200 milhões de euros. Um valor próximo daquele que o Estado poupou ao cortar o abono de família a mais de um milhão de portugueses.
As 'armadilhas' dos contratos
1-Independentemente dos danos causados pelo incumprimento das contrapartidas, o consórcio alemão nunca pagará mais do que 10% do valor contratualizado. Esse limite de 10% está previsto mesmo que o incumprimento seja "por dolo ou negligência". Quer dizer que os alemães podem simplesmente decidir não executar as contrapartidas e só pagam 10% de penalização.
2 - Ao exigir a assinatura de um contrato de contrapartidas associado ao contrato de aquisição dos submarinos, o Estado português assumiu um aumento do preço final que pode ir até 15 por cento. Ora, com a cláusula penal de 10%, o valor que o consórcio pagaria pelo incumprimento seria sempre inferior ao aumento de preço que o Estado acordou em troca das contrapartidas.
3 - Está implícito nos contratos que o Estado Português pague a totalidade dos submarinos, mesmo antes de o contrato de contrapartidas ter sido executado integralmente.
4 - O contrato não inclui os custos de manutenção dos submarinos, ao longo do período de vida útil deste equipamento (cerca de 40 anos), o que, segundo especialistas, pode ascender a duas vezes a verba neles investida.
O Governo abdicou de recorrer aos tribunais em caso de litígio, aceitando que conflitos num negócio desta ordem de grandeza sejam dirimidos por simples arbitragem.
5 - O Governo abdicou de recorrer aos tribunais em caso de litígio, aceitando que conflitos num negócio desta ordem de grandeza sejam dirimidos por simples arbitragem.
O atraso milionário
Esta foi a primeira grande compra feita através de um "swap sintético". E por que razão? Uma, de peso: atrasar a entrada do custo nas contas do Estado. Em 2004, o Governo liderado por Durão Barroso, cuja ministra das Finanças era Manuela Ferreira Leite, escolheu a única opção que o Eurostat reconhecia válida para remeter esta despesa para o longínquo ano de... 2010.
Entre 2004 e 2010, o Estado autorizou o pagamento de 12 prestações (a última das quais em setembro passado) ao GSC, apesar do reconhecido incumprimento das contrapartidas acordadas. Apesar dos processos judiciais que envolvem altos dirigentes da Ferrostaal, na Alemanha. Apesar dos dois inquéritos que correm no Departamento Central de Investigação e Acção Penal sobre a compra dos submarinos e a alegada fraude na concretização das contrapartidas.
Augusto Santos Silva justifica a aparente inércia de quatro ministros da Defesa (Paulo Portas e os seus sucessores no cargo, os socialistas Luís Amado, Severiano Teixeira e o próprio Santos Silva): "Face ao modelo contratual adotado em 2004, o Estado Português tem o dever de cumprir na íntegra as obrigações contratualmente assumidas naquela data."
De facto, como vimos, não há nenhuma cláusula no contrato que assegure ao Estado português o direito de renúncia ao pagamento.
Santos Silva afirma que "o atual Governo garantirá, através de todos os mecanismos que lhe assistem, que o consórcio fornecedor cumpra igualmente as obrigações que assumiu, quer no contrato de aquisição quer no contrato de contrapartidas".
No entanto, não se pronuncia sobre um dos principais enigmas deste negócio.
Por que razão Paulo Portas assinou, em abril de 2004, um contrato que só seria homologado no dia 5 de agosto pela resolução 122/2004 do Conselho de Ministros? E por que motivo o fez, sabendo que, por cada dia, o Estado pagaria aos alemães da GSC mais de 230 mil euros?
O ex-ministro respondeu a um conjunto de perguntas da VISÃO, pedindo mais tempo para fundamentar as suas respostas. Como o prazo do líder do CDS não coincidia com o fecho da revista, adiantámos a nossa disponibilidade para, na próxima edição, publicar as suas respostas.
No passado, confrontado com esta "atualização" do preço dos submarinos, Paulo Portas justificou que se devia a um atraso de "largos meses" no processo de vistoria obrigatória do Tribunal de Contas (Correio da Manhã, 3 de abril de 2010).
Todavia, o Tribunal (TC), à VISÃO, esclarece que "o referido contrato deu entrada em 22 de junho de 2004 e foi devolvido ao Ministério da Defesa, para esclarecimentos, em 6 de julho, 29 de julho e 12 de agosto de 2004, tendo sido visado a 25 de agosto do mesmo ano".
O Tribunal demorou tanto tempo a visar o contrato como o ministro a enviar a documentação. Dois meses. Assinado em abril, só foi enviado ao TC em final de junho, e saiu, visado, em final de agosto. Demoraria mais um mês a entrar em vigor.
Começaria, então, a construção do Tridente e do Arpão. Um negócio que o advogado José Miguel Júdice considera ser "um caso exemplar de como as coisas não devem ser feitas". Júdice, que representou o consórcio francês derrotado na escolha do Governo, não se alonga muito mais sobre o assunto.
Hubert Kogel, porta-voz da Ferrostaal, recusa-se, mesmo, a prestar esclarecimentos: "Para já muito obrigado pelas suas perguntas. Mas peço-lhe que compreenda que em relação a isso não damos quaisquer indicações." O mesmo faz o BES, que alega "sigilo bancário".
No meio de tantos silêncios, documentos desaparecidos do Ministério da Defesa, fórmulas matemáticas rebuscadas e investigações judiciais, resta uma certeza. Os mais de mil milhões de euros que vão ser gastos no próximo ano.
Alemães ganham 64 milhões em nove meses
25 de novembro de 2003
Governo decide adjudicar contrato dos submarinos aos alemães. A proposta é de 844 milhões de euros por dois submarinos. Segue--se um processo negocial em que se reduz o preço para 769 milhões, mas retirando uns "extras" ao equipamento
1 de janeiro de 2004
O preço de referência é de 769 milhões de euros e a partir desse dia começa a ser aplicada a fórmula do anexo 14 do contrato que atualiza diariamente o preço dos submarinos a uma taxa de 3,5% anuais, até à entrada em vigor do contrato
24 de abril de 2004
É assinado o contrato de aquisição e o de contrapartidas. Nessa data, mediante a aplicação da fórmula do anexo 14, o valor dos submarinos já atinge os 820 milhões.
24 de setembro de 2004
Entra em vigor o contrato. O preço final dos submarinos é fixado em 833 milhões de euros. Em nove meses, o preço dos submarinos sofre um aumento superior a 8%, quase 64 milhões de euros. Nesse período, o aumento diário médio foi de 230 mil euros.
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