Saturday, April 27, 2013

Arguido do 'Monte Branco' revela lista de 450 clientes

A extensa lista de clientes de Francisco Canas, 71 anos, tem sido um dos quebra-cabeças dos investigadores da operação 'Monte Branco'. Entre alguns nomes verdadeiros, há muitas siglas, alcunhas e designações em código, que escondem a verdadeira identidade das cerca de 450 pessoas, grande parte das quais estaria envolvida no alegado esquema de fuga ao fisco e branqueamento de capitais que passaria pelo balcão da Montenegro Chaves, loja de medalhas na Baixa de Lisboa.

O empresário, conhecido como 'Zé das Medalhas', terá decidido entregar toda a lista e abrir o jogo aos investigadores do Departamento Central de Investigação e Ação Criminal (DCIAP), cinco meses depois da sua detenção e da dos quatro banqueiros: Michel Canais, Nicolas Figueiredo, José Pinto e Ricardo Arcos Castro (estes dois acabaram por ser libertados sob caução). Todos são suspeitos de, através da empresa suíça Akoya Asset Management, terem montado um esquema fraudulento de fuga de capitais de Portugal. No último interrogatório, há menos de um mês, Canas terá começado a desvendar "quem é quem na lista", revelou ao Expresso fonte próxima do arguido. E entregou a listagem de clientes.

O Expresso tentou, sem sucesso, contactar os responsáveis do Ministério Público pela investigação. Mas uma fonte ligada ao processo, que pediu anonimato, garante que o cambista se "tornou muito colaborante com as autoridades".

A lista, que terá sido informatizada apenas em 2007 por um dos três colaboradores de 'Zé das Medalhas' na loja (até então era manuscrita), inclui construtores civis, donos de multinacionais e testas de ferro de pessoas ligadas ao mundo da finança. Só nos últimos cinco anos terão movimentado ilegalmente €100 milhões. "Um dos clientes mais importantes era Duarte Lima (arguido numa alegada fraude ao BPN). As transações com o advogado atingiram os €30 milhões, um terço do total do dinheiro", adianta a mesma fonte. Lima, no entanto, nunca entrou na loja da Rua do Ouro. "Era um familiar que fazia esse trabalho."

Fonte próxima da defesa do ex-deputado confirma a presença do familiar de Duarte Lima na Montenegro Chaves, "pelo menos por uma vez, há cerca de três anos." Mas nega que o volume de negócios tenha atingido os €30 milhões. "Admito quantias próximas dos €2 milhões. Não mais do que isso."

Um esquema já antigo

O modus operandi das centenas de clientes que entravam no estabelecimento — em tempos uma afamada casa de câmbio —, carregados com malas cheias de dinheiro, não variava muito.

"Canas depositava-o numa conta em seu nome, no BPN de Cabo Verde. Transferia-o para uma sucursal do BPN em Portugal ou seguia para contas no estrangeiro, sem deixar rasto. O dinheiro poderia regressar a Lisboa, mais tarde, e era entregue em cash aos clientes, na loja, recebendo Canas 1% de comissão pelo trabalho", revela fonte que acompanha o caso — e que outras confirmaram.

"Este esquema financeiro é um dos mais utilizados por quem quer fugir ao fisco e branquear dinheiro em Portugal. E tem sido muito difícil de detetar pelas autoridades", explica o advogado António Vilar, presença habitual em grandes processos fiscais que chegam a tribunal. O especialista não tem dúvidas de que "só com uma denúncia" é que os investigadores conseguem descobrir casos destes. "A 'Operação Monte Branco' não deve ter sido exceção."

E acrescenta: "Vai ser extremamente difícil apanhar os principais clientes."

Canais interrogado na terça

Os procuradores do MP tentam perceber se Canas era de facto o testa de ferro da Akoya em Lisboa. O papel da empresa de gestão de fortunas suíça, fundada em 2009 e liderada pelo ex-banqueiro da União de Bancos Suíços, Michel Canais, é determinante para que o MP desmonte todo este circuito financeiro. Uma fonte do processo garante que a ligação da Akoya ao português foi "esporádica" e só as movimentações de dinheiro de Duarte Lima levaram a que os caminhos entre o dono da loja da Baixa e os gestores de fortunas em Zurique se tenham cruzado.

Na próxima terça-feira, Michel Canais e o seu sócio Nicolas Figueiredo, detidos no Porto em maio, devem voltar a ser interrogados por Rosário Teixeira, responsável pelo processo no DCIAP. "Os procuradores estão muito interessados na informação que encontraram nos computadores destes arguidos e querem obter mais esclarecimentos", refere uma outra fonte judicial.

Também a Akoya detém uma vasta lista de clientes, quase todos portugueses, e muitos com ligações à banca e à alta finança, cujo rasto o DCIAP quer seguir a todo o custo. E que podem vir a ser determinantes para o sucesso da investigação, já comparada à operação 'Furacão', dada a dimensão dos montantes e das personalidades que podem estar envolvidos.

Ninguém parece duvidar que haverá desenvolvimentos do caso muito em breve. Até porque em novembro completam-se seis meses de prisão preventiva dos três arguidos, detidos nos calabouços da Polícia Judiciária, em Lisboa, o que pode levar a mudanças táticas na defesa, para que a medida de coação possa ser suavizada.

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